Brasil
Lula amplia rixa com setor de armas ao fechar o cerco a clubes de tiro
Eduardo Gonçalves, Alice Cravo e Aline Ribeiro
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva elevou o tom ontem na ofensiva contra o segmento armamentista ao defender o fechamento de “quase todos” os clubes de tiro do país. A declaração vai além do previsto no decreto assinado pelo próprio chefe do Executivo na sexta-feira, que já trazia restrições ao funcionamento desses espaços. E ampliou o incômodo de empresários do setor, que preveem prejuízos financeiros.
O posicionamento causou surpresa até no Ministério da Justiça e Segurança Pública, que vinha dialogando com representantes do ramo e dando garantias de que o intuito do governo não era acabar com negócios nessa área.
Nesta terça-feira, durante live semanal, Lula revelou que pediu ao titular da pasta, Flávio Dino, uma solução para encerrar a maior parte dos locais dedicados à prática. O teor foi oposto ao de manifestações anteriores do ministro.
— Eu não acho que um empresário que tem um lugar para praticar tiro é um empresário. Eu já disse para o Flávio Dino: nós temos que fechar quase todos (os clubes de tiro), só deixar aberto aqueles que são da PM, do Exército ou da Polícia Civil. Nós não estamos preparando uma revolução. Eles tentaram preparar um golpe, “sifu”— disse Lula.
Em abril, Dino afirmou que o governo “respeitava” este mercado e não atuaria para que ele acabasse. Na quinta-feira, véspera da publicação do decreto, o ministro reiterou o posicionamento em entrevista ao GLOBO:
— A orientação do presidente foi de que não é para fechar o negócio. Tanto que os clubes de tiro e as lojas de armas vão continuar existindo.
O decreto da semana passada prevê restrições como a proibição de funcionamento dos espaços durante 24 horas. Aliados do presidente viram a declaração de ontem como uma manobra política que dá combustível à oposição. Por meio dos Projetos de Decreto Legislativo (PDLs), o Congresso pode derrubar decretos presidenciais, caso consiga a maioria simples da Câmara e Senado. Pelo menos três dessas propostas já foram apresentadas, uma delas pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Apoio de ruralistas
Nos últimos dias, os parlamentares armamentistas passaram a procurar os colegas da bancada ruralista para conseguir apoio. Presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, Pedro Lupion (PP-PR) afirmou ao GLOBO que vai se mobilizar para sustar os efeitos do decreto de armas e que 80% da bancada ruralista segue essa linha:
— O governo exagerou, jogou para a torcida e está falando para a bolha dele. A declaração foi pior do que o decreto. Vamos apoiar a derrubada.
Presidente do Pro-Armas, o deputado Marcos Pollon (PL-MS) foi ao Mato Grosso do Sul para convencer setores do agronegócio a abraçar a causa armamentista. Ele classificou a medida de “decreto da calamidade” com potencial de “extinguir o setor”.
— O governo errou a mão e foi com muita sede ao pote — afirmou nas redes sociais.
Na live semanal, Lula ecoou uma tese que vem ganhando força no PT e foi manifestada pela presidente da sigla, a deputada Gleisi Hoffmann (PR). No Twitter, ela afirmou que o “fim dos CACs (colecionadores, atiradores e caçadores) seria providencial”, já que, segundo ela, os clubes de tiro “estimulam a violência”.
Há um entendimento no partido de que os estabelecimentos se tornaram redutos eleitorais do ex-presidente Jair Bolsonaro. No governo anterior, houve autorização para a abertura de 1.483 clubes de tiro, o que dá, em média, um por dia. Nas passeatas do Pro-Armas — um equivalente da norte-americana Associação Nacional de Rifles (ANR) —, que ocorrem todo ano em Brasília, os políticos costumam subir no palanque para se apresentar e pedir votos.
Os empresários do clube de tiro passaram os últimos dias estudando os detalhes do decreto para tentar salvar os seus negócios. Um dos pontos considerados problemáticos por eles é a proibição do estande de tiro a uma distância de um quilômetro de estabelecimentos de ensino. Há unidades funcionando em áreas centrais das cidades, próximas a escolas e cursos de idiomas.
— O meu clube de tiro tem dez anos. Não nasceu na era do Bolsonaro. O tiro não tem vocação partidária, é um esporte. Isso vai desempregar milhões de pessoas e diminuir a arrecadação do Estado brasileiro por conta de um achismo e uma ideologia — criticou empresário Rildo Anjos, dono de um clube de tiro em Niterói, que prevê a perda de um investimento de R$ 1,5 milhão, além de já ter demitido cinco funcionários.
Um empresário de Brasília, que pediu para não ter o nome revelado, diz que o faturamento de sua loja de armas caiu em torno de 80% desde a publicação do primeiro decreto das armas, em janeiro. O empresário conta que donos de lojas estão com seus estoques “travados”: ele próprio tem paradas pelo menos 15 pistolas 9 mm, um dos modelos agora restritos às forças de segurança, num prejuízo de cerca de R$ 100 mil. O empresário pretende mudar no ramo: em vez de armas, deve passar a vender roupas para atiradores desportivos:
— O decreto é “incumprível”, fecha portas. Não vai mais ter demanda. Arma de fogo se tornou um negócio economicamente inviável — diz.
'Aumento artificial'
Para o policial federal Roberto Uchoa, autor do livro “Armas para quem? A busca por armas de fogo”, as medidas separam quem realmente pratica o tiro desportivo do cidadão que só quer sair armado pelas ruas. Segundo ele, a fala de Lula foi “forte” devido às “pressões” que vem recebendo:
— Houve um aumento artificial na quantidade de clubes de tiro porque muitas pessoas se tornaram CACS não pelo esporte, mas para poderem circular armadas.
Já o gerente do Instituto Sou da Paz, Bruno Langeani, frisou que o objetivo do decreto não é acabar com o segmento de armas:
— Acho que a declaração do Lula não se adéqua aos próprios termos do decreto que editou, que não prevê fechamentos de clube, mas somente ajustes sobre localização. É possível que alguns clubes fechem, não porque o presidente quer, mas porque alguns privilégios declarados ilegais pelo STF deixaram de existir, como a possibilidade de filiados andarem armados.
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