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Prancha como isca, reação ágil e oceano mexido: autoridades da vida selvagem tentam capturar lontra ladra de pranchas

Autoridades estão tentando capturar a fêmea de 5 anos para removê-la para outro local, e pedem que população evite contato com ela, para segurança de ambos; espécie está em extinção

Agência O Globo - 22/07/2023
Prancha como isca, reação ágil e oceano mexido: autoridades da vida selvagem tentam capturar lontra ladra de pranchas

Uma lontra marinha conhecida por importunar surfistas na Califórnia conseguiu escapar de várias tentativas de capturá-la. Nos últimos verões, várias pessoas da localidade de Santa Cruz foram vítimas de um crime no mar: o roubo de pranchas. A culpada é a lontra marinha, que aborda os surfistas, apreendendo e até danificando seus equipamentos no processo.

Nas últimas duas semanas, autoridades da vida selvagem vêm tentando a captura da Otter 841, apelido dado à ladra de pranchas, usando diferentes mecanismos. Num deles, para tentar atrair o animal, as autoridades usam o objeto de desejo dele: uma prancha de surfe.

"Houve várias tentativas de usar seu comportamento anti-natural em nosso benefício", disse ao "USA Today" Jessica Fujii, do Monterey Bay Aquarium, referindo-se à própria prancha como isca.

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Os especialistas em vida selvagem que procuram Otter 841 sabem onde ela está, por que o animal tem uma etiqueta com transmissor de rádio preso a ele. Mas ainda não conseguiram capturar a lontra por ela ser "ágil e rápida", como afirma Kevin Connor, porta-voz do aquário.

"Encontrá-la não é um grande problema, mas recapturá-la é um desafio devido à sua enorme vantagem na água e às mudanças nas condições do oceano", disse Connor.

A fêmea de 5 anos é bem conhecida, tanto por seu comportamento ousado quanto por sua capacidade de executar manobras. E ela tem um histórico trágico, com os oficiais agora forçados a tomar medidas que ilustram que a vontade do ser humano de se aproximar de animais selvagens pode custar aos bichos sua liberdade, ou pior, suas vidas.

As lontras marinhas da Califórnia, também conhecidas como lontras marinhas do sul, são uma espécie em extinção encontrada apenas ao longo da costa central da Califórnia. Centenas de milhares dessas lontras já percorreram as águas costeiras do estado, ajudando a manter as florestas de algas saudáveis enquanto consumiam ouriços-do-mar. Mas quando os colonos se mudaram para a Costa Oeste, a espécie foi caçada até quase a extinção antes que uma proibição fosse estabelecida em 1911.

Hoje, restam cerca de 3 mil, muitas em áreas frequentadas por canoístas, surfistas e paddle boarders.

História trágica

Apesar dessa proximidade, as interações entre as lontras marinhas e os humanos permanecem raras. Os animais têm um medo inato das pessoas e geralmente fazem de tudo para evitá-las, disse Tim Tinker, ecologista da Universidade da Califórnia, em Santa Cruz, que passou décadas estudando os mamíferos marinhos. Uma lontra marinha se aproximando de um humano “não é normal”, afirmou, “mas só porque não é normal, não significa que nunca aconteça”.

Sabe-se que as lontras se aproximam dos humanos durante surtos hormonais que coincidem com a gravidez, ou como resultado de serem alimentadas ou repetidamente abordadas por pessoas. Isso é provavelmente o que ocorreu com a mãe da lontra 841.

Ela ficou órfã e foi criada em cativeiro. Mas, depois que ela foi solta na natureza, os humanos começaram a oferecer lulas, e ela rapidamente se habituou. Ela foi removida novamente quando começou a subir a bordo de caiaques em busca de comida, terminando no Centro de Pesquisa e Cuidados Veterinários da Vida Selvagem Marinha em Santa Cruz, onde os pesquisadores rapidamente perceberam que ela estava grávida. Foi no cativeiro que ela deu à luz 841.

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O filhote foi criado por sua mãe até ser desmamado, depois mudou-se para o Aquário da Baía de Monterey. Para aumentar suas chances de sucesso após a soltura, os cuidadores de 841 tomaram medidas para evitar que a lontra fizesse associações positivas com humanos, incluindo o uso de máscaras e ponchos que obscureciam sua aparência quando estavam perto dela.

No entanto, 841 rapidamente perdeu o medo dos humanos, embora os especialistas locais não possam explicar exatamente o porquê.

— Depois de um ano na natureza sem problemas, começamos a receber relatos de suas interações com surfistas, canoístas e paddle boarders — disse Jessica Fujii, gerente do programa de lontras marinhas do Aquário da Baía de Monterey. — Não sabemos por que isso começou. Não temos evidências de que ela foi alimentada. Mas persistiu nos verões nos últimos dois anos.

Contato perigoso

A lontra 841 foi observada pela primeira vez subindo a bordo de uma embarcação aquática em Santa Cruz em 2021. No início, o comportamento era uma raridade, mas com o tempo ela ficou mais ousada. No fim de semana passado, foi observada roubando pranchas de surfe em três ocasiões diferentes.

Na segunda-feira, Joon Lee, 40, um engenheiro de software, surfava em Steamer Lane, um ponto de surf popular em Santa Cruz, quando 841 se aproximou de sua prancha.

— Tentei remar para longe, mas não consegui ir muito longe antes que ela mordesse a coleira da minha prancha — disse ele.

Lee então abandonou a prancha e observou horrorizado a lontra subir em cima dela e começar a arrancar pedaços dela com suas mandíbulas poderosas.

— Tentei tirá-la de lá girando a prancha e empurrando-a para longe, mas ela não soltava de jeito nenhum e continuou atacando — comentou.

Enquanto Lee reconheceu imediatamente o perigo em que estava, nem todos na água estão tão cientes. No mês passado, Noah Wormhoudt, 16, pegava algumas ondas com um amigo na praia de Cowell, em Santa Cruz, quando a 841 nadou para perto deles.

— Comecei a remar tentando evitá-la, mas ele ficava cada vez mais perto. Eu pulei da minha prancha e ela pulou na minha prancha — lembrou. — Parecia amigável, então ficamos confortáveis com isso. Foi uma experiência bem legal.

Pego na emoção do momento, Wormhoudt disse que "não estava realmente pensando em como ela poderia arrancar meu dedo fora".

O jovem surfista observou da água a lontra permanecer em cima de sua prancha enquanto as ondas avançavam.

— A lontra estava surfando, pegou algumas ondas boas — disse Wormhoudt.

Tais situações são extremamente perigosas, disse Gena Bentall, diretora e cientista sênior da Sea Otter Savvy, uma organização que trabalha para reduzir os distúrbios causados pelo homem às lontras marinhas e promover a observação responsável da vida selvagem.

— As lontras têm dentes afiados e mandíbulas fortes o suficiente para esmagar mariscos — explicou.

O contato com humanos também é perigoso para as lontras. Se um humano for mordido, o estado não tem escolha a não ser sacrificar a lontra. E com tão poucas lontras marinhas sobrando, a perda de até mesmo um indivíduo é um obstáculo para a recuperação da espécie.

Se as autoridades conseguirem capturar 841, ela retornará ao Aquário da Baía de Monterey antes de ser transferida para outro, onde viverá seus dias. Seus captores têm muito trabalho pela frente. Várias tentativas foram feitas, mas nenhuma bem-sucedida.

— Ela tem sido muito talentosa em nos evitar — disse Fujii.

Até que a lontra possa ser capturada, o Departamento de Pesca e Vida Selvagem da Califórnia está pedindo aos surfistas que a evitem a todo custo e, caso a encontrem, que reportem a interação para as equipes responsáveis, em vez de compartilhá-las nas redes sociais.

Os especialistas também deixaram uma mensagem para as pessoas que compartilham seus encontros íntimos com uma lontra marinha nas redes sociais.

— É realmente importante — concluiu Fujii.