Internacional

Quem disse que alemão não faz 'siesta'?

Com a onda de calor que castiga a Europa, a parada no meio da tarde ganhou novos adeptos, até entre os alemães, antes avessos ao hábito espanhol

Agência O Globo 21/07/2023
Quem disse que alemão não faz 'siesta'?
Quem disse que alemão não faz 'siesta'? - Foto: Reprodução

Há uma década, em plena recuperação após uma crise financeira, a famosa “siesta”, sagrada para os espanhóis, parecia sob grave ameaça. Por toda Europa, dizia-se que a economia do país caminhava a passos lentos, em parte, por conta do hábito de parar as atividades, no meio da tarde. A Espanha, por sua vez, prometeu abolir a “siesta” para aumentar a produtividade.

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Apesar dos rumores sobre sua impopularidade crescente, a “siesta” sobrevive. E, agora, com a Europa sendo atingida por ondas mais longas e frequentes de calor, outros países estão descobrindo a sabedoria da “siesta”, incluindo a Alemanha, onde uma ética de trabalho severa é valorizada ao ponto de virar piada.

Os jornais alemães estão entre os que desdenharam da “siesta” em meio à crise econômica. Este verão, no entanto, algumas autoridades e especialistas no mundo do trabalho estão exaltando as virtudes de uma paradinha no meio da tarde.

— A “siesta” durante o calor certamente não é uma má sugestão — disse Karl Lauterbach, o ministro da Saúde alemão, reagindo a manifestações de autoridades de saúde pública da Alemanha, esta semana, defendendo que o país imite a Espanha, onde as lojas ainda fecham e as ruas ficam vazias, em muitas cidades, entre 14h e 16h.

O calor na Alemanha — com temperaturas por volta de 32°C essa semana — está forçando as pessoas a repensarem o estilo de vida e olharem para os países mais ao sul como exemplo de como se adaptar a temperaturas mais altas.

— Devemos seguir as práticas de trabalho dos países ao sul durante o calor —disse Johannes Niessen, o chefe da mais importante associação médica alemã, em uma entrevista ao RND essa semana. — Acordar mais cedo, trabalhar produtivamente na manhã e tirar a “siesta” no meio do dia é um conceito que devemos adotar nos meses de verão — completou.

Origem disputada

As origens da famosa “siesta” espanhola são motivo de debate. Alguns dizem que a prática nasceu nas regiões rurais do país, com fazendeiros parando para descansar e evitar o calor extremo nas horas mais quentes do dia e voltando para o campo quando a temperatura caia.

Outra explicação é que a prática de dividir o dia em duas partes surgiu após a guerra civil espanhola, quando muita gente tinha dois empregos, um de manhã e outro no fim da tarde. A “siesta” caracterizou a vida do espanhol por muito tempo, embora hoje seja mais incomum entre moradores de centros urbanos.

Recentemente, em uma tarde de Granada, no sul da Espanha, muitas lojas estavam fechadas e os moradores em casa, enquanto a rua fervia a temperaturas acima de 32°C.

É uma parada que muitos ainda mantém no país. Em 2015, o prefeito de uma cidade perto de Valência baixou um decreto para que os moradores e visitantes não fizessem barulho durante a “siesta” “para garantir que todos descansem e então lidem melhor com os rigores do verão”.

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Mas a prática também é alvo de intensa crítica, particularmente, depois que a Espanha lutou para se recuperar de uma crise econômica profunda, na década passada.

Mesmo na Espanha, um movimento pela eficiência chamado Comissão Nacional para a Racionalização dos Horários Espanhóis, que ganhou força depois da crise, defendia que o país poderia ser mais produtivo se adotasse um horário de trabalho mais normal. Em 2016, o então primeiro-ministro, Mariano Rajoy, tentou reduzir o tempo de “siesta” para ajustar o país ao estilo do resto da Europa.

O longo descanso da tarde empurrou o jantar na Espanha para entre 21h e 22h, o que significa que os espanhóis, às vezes, estão jantando quando os alemães já estão na cama.

A “siesta” serve para refrescar, tirar uma soneca, recarregar e almoçar. Agora que a Europa Central e do Norte enfrenta as mesmas temperaturas extremas com as quais a Espanha lida há anos, a prática passou a ser vista como uma boa ideia.

— As pessoas não são tão eficientes sob forte calor como seriam normalmente — diz Niessen, que é representante da associação de médicos alemães.