Internacional

Desapontados com Biden, chineses olham para o passado em busca de 'verdadeiros amigos', como Kissinger

Ex-secretário de Estado americano foi recebido com honrarias pelo presidente chinês, Xi Jinping, em movimento para influenciar Washington por meio de interlocutores fora do governo

Agência O Globo 20/07/2023
Desapontados com Biden, chineses olham para o passado em busca de 'verdadeiros amigos', como Kissinger
Xi Jiping - Foto: Reprodução

O presidente da China, Xi Jinping, recebeu com honrarias o ex-secretário de Estado americano, Henry Kissinger, nesta quinta-feira, em Pequim. Kissinger, que completou 100 anos em março, foi uma figura chave para a aproximação entre Estados Unidos e China na década de 1970, quando os países eram governado por Richard Nixon e Mao Tsé-tung — e sua visita aparenta ser a mais nova tentativa chinesa de aproximação com Washington sem intermediação do governo de Joe Biden.

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— O povo chinês valoriza a amizade. Nunca vamos esquecer nosso velho amigo e sua contribuição histórica para a promoção do desenvolvimento das relações entre China e Estados Unidos, e para estimular a amizade entre os povos dos dois países — disse Xi a Kissinger, de acordo com a imprensa estatal. — Isto não beneficiou apenas os dois países, mas também mudou o mundo.

Quando era conselheiro de Segurança Nacional, Kissinger viajou de maneira secreta a Pequim em julho de 1971 para preparar o estabelecimento de relações diplomáticas e planejar uma visita do presidente Richard Nixon à capital chinesa em 1972. Nesta quinta, o ex-secretário foi recebido por Xi na residência de Diaoyutai, o mesmo edifício que ocupou em 1971, e tratado pela televisão estatal chinesa como "diplomata lendário".

— As relações entre nossos dois países serão centrais para a paz no mundo e para o progresso de nossas sociedades — disse Kissinger durante o encontro com Xi.

Em um momento em que Pequim e Washington tentam melhorar seus laços diplomáticos e canais de comunicação fixos, após um aumento da tensão provocada pela disputa estratégica entre os países e uma série de incidentes, incluindo a visita de autoridades americanas a Taiwan, a visita de Kissinger é vista por observadores americanos como um esforço do governo chinês de influenciar o pensamento americano sobre o país fora da burocracia estatal.

Embora integrantes da alta cúpula do governo Joe Biden tenham sido recebidos por suas contrapartes chinesas recentemente — como Janet Yellen (secretária do Tesouro), John Kerry(enviado especial para assuntos climáticos) e Antony Blinken(secretário de Estado) —, Pequim tem apostado na recepção de líderes empresariais como Bill Gates (que também foi apelidado de velho amigo por Xi )e Elon Musk para destacar o relacionamento econômico de longa data e os perigos de desembaraçar as cadeias globais de suprimentos.

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A previsão dos analistas ocidentais é que esses esforços podem se tornar cada vez mais significativos à medida que Pequim recua contra o que vê como tentativas do governo Biden para conter a China geopolítica, militar e tecnologicamente. A China também observa como republicanos e democratas se unem em querer permanecer duros com Pequim, e uma eleição presidencial nos EUA se aproxima, na qual os candidatos provavelmente serão mais críticos em relação à China.

— Isso se parece muito com uma estratégia chinesa deliberada [se cortejar indivíduos que possam ajudar a mudar as opiniões em Washington] — disse Dennis Wilder, ex-chefe de análise da China na Agência Central de Inteligência (CIA), ao The New York Times. — Os chineses estão estimulando aqueles com interesse na economia chinesa e no relacionamento geral.

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A agenda de Kissinger em solo chinês começou na terça, com um encontro com o ministro da Defesa da China, Li Shangfu, que está sob sanções de Washington — o que congelou o diálogo militar de alto nível entre os dois países, e fez Pequim recusar uma reunião entre Li e o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, em um fórum de segurança em Cingapura.

Li disse a Kissinger que a China espera trabalhar com os EUA para um relacionamento saudável e estável entre as duas nações e seus militares. Kissinger afirmou que "nem os EUA e nem a China podem arcar com o preço de tratarem o outro como inimigos.

Na quarta, o centenário diplomata — vencedor do Nobel da Paz em 1973 por seu papel na negociação de um cessar-fogo na Guerra do Vietnã, e criticado por seu apoio aos golpes de Estado em vários países da América do Sul — reuniu-se com o diretor do Comitê Central do Partido Comunista Chinês para as Relações Exteriores, Wang Yi, que o agradeceu por sua "contribuição histórica ao degelo das relações entre China e Estados Unidos".

— A política dos Estados Unidos em relação à China precisa de uma sabedoria diplomática ao estilo de Kissinger e de uma coragem política ao estilo de Nixon — afirmou Wang.

Zhu Feng, professor de relações internacionais da Universidade de Nanjing,a visita de Kissinger apontava para “a ansiedade de Pequim sobre como influenciar e persuadir as elites políticas americanas a reduzir sua repressão estratégica à China”, em um momento em que vozes como a dele são cada vez mais raras em Washington.

George Magnus, pesquisador associado ao Centro de China da Universidade de Oxford, afirmou que é possível que Pequim considere Kissinger como um emissário, considerando sua rede de contatos dentro e com a China. No entanto, o pesquisador alertou que é improvável que a visita leve a “qualquer coisa substancial no relacionamento EUA-China” porque Kissinger não está fazendo a viagem em caráter oficial.