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Pescoço
Em Maceió nos anos 50/60 os costumes eram bem diferentes. Durante a noite, depois do café, nós jovens, íamos namorar no portão de nossa sacrossanta virgem amada, sob a vigilância dos pais. Como era bom quando saía um beijo, ou um avanço mais ousado.
Dez horas da noite ela entrava e nós geralmente voltávamos para casa. Nos fins de semana ou férias partíamos em busca da alegre boemia, junto aos amigos.
Encerrávamos à noite comendo macarronada no Buraco da Zefa no Vergel ou no Restaurante Gracy na Levada, onde havia uma macarronada maravilhosa servida pelo amigo garçom, Pescoço.
Pescoço servia aos domingos no Restaurante do Clube Fênix Alagoana, templo da burguesia da cidade. As domingueiras, geralmente iniciavam à beira da piscina ouvindo o conjunto SAMBRASA, Paulo Sá cantando, e tomando uísque servido pelo Pescoço.
Certa vez o governador Fernando Collor recebeu um Ministro com um almoço no Clube Fênix, coisa elegante, como gosta o presidente. No momento da sobremesa Pescoço abaixou-se atenciosamente pelo lado esquerdo do Ministro e perguntou: -“ O Senhor é servido uma taiada de torta?”. O Ministro não respondeu e perguntou ao Collor o que era taiada. O Governador olhou para o Pescoço, sorriu, respondeu ao Ministro: – “ taiada é uma fatia, uma porção, uma talhada, pode aceitar Ministro, a torta está deliciosa.” A história da taiada de torta espalhou entre os amigos. Depois do almoço à beira da piscina, nós gozávamos o amigo Pescoço pedindo uma taiada de torta. Ele, bem humorado, sorria da brincadeira.
O historiador Edberto Ticianeli em seu inigualável site, História de Alagoas, conta uma peripécia do nosso amigo.
“Para o garçom Pescoço, do extinto Restaurante Gracy, um dos fregueses mais chatos era um empresário bem-sucedido e arrogante, que, como todo novo-rico, fazia questão de ostentar sua boa condição financeira. Entrava no restaurante com estardalhaço, ocupava uma das mesas centrais, pedia os pratos mais caros em voz alta para que todos ouvissem. O pior: cometia a heresia de tratar o Pescoço como “garçom”, como se fosse um desconhecido. Pescoço, batizado como Francisco Rodrigues dos Santos, gostava da intimidade, que lhe permitia fazer o tipo rude que o tornara popular entre os clientes.
Fazia questão em dizer que já havia servido aos presidentes Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek e Jânio Quadros, e que era garçom desde 1928. Mas, como o tempo é o senhor da vingança, o dito empresário entrou em falência dos seus negócios e deixou de frequentar o Gracy para a alegria do Pescoço. Passados uns dois anos, o tal cidadão começou a se recuperar economicamente e certa noite reapareceu no famoso restaurante da Praça Emílio de Maya. Entrou discretamente e procurou a mesa mais escondida, no fundo do salão. Quando Pescoço se aproximou, disse, em voz quase inaudível: — Pescoço traz uma macarronada simples e me ajude com um pãozinho.
Para quem não conheceu o Gracy, a macarronada simples era a mais barata e o prato se reduzia ao macarrão com molho, a famosa “coitadinha”. Quanto ao pão, que era cobrado por fora, dependia do garçom fazer a gentileza de ofertá-lo. Vinha fatiado sem os “cotovelos”, que eram jogados fora por serem duros. Pescoço que não era de perdoar nem dívida de defunto, mesmo percebendo a mudança de atitude do antigo freguês, resolveu se vingar das humilhações que sofrera. Sem se afastar da mesa, gritou para o balcão da cozinha: — Salta uma “coitadinha” e duas “cutuvas” (cotovelos de pão) para o cidadão aqui, que ele está a perigo. Nesse dia teve gente que jurou ter visto um ar de riso no rosto do Pescoço.”
Ele era querido pela juventude. Certa noite, meus amigos: Marden, Frazão e Zagalo, foram forrar o estômago e tomar uma cervejinha no Gracy. Como sempre Pescoço serviu a cerveja ultra gelada e uma macarronada a cavalo (com dois ovos fritos). Na mesa ao lado estavam três casais, os homens embriagados grosseiros, brigando com as mulheres. Um deles deu uma tapa na companheira, ela chorou e se emburrou ao canto.
Zagalo percebeu passar na rua uma dupla de policial rondando. Pediu ao Pescoço para chamar os policiais. Quando a dupla entrou, Frazão empolgado com os uísques, levantou-se e aproximou-se junto aos policiais e apontando para os casais contou a história da grosseria e do murro, falando alto, que era um absurdo. E que os policiais levassem preso esses covardes que batem em mulheres. Um policial se aproximou, a mulher mostrou a roncha no rosto da tapa. O outro policial foi à mesa perguntou quem era aquele senhor? O neguinho Marden teve um estalo prontamente informou.
-É o Major Frazão do Exército, novo subcomandante do 20º BC.
Os policias se encheram de autoridade, expulsaram os três casais do recinto. As mulheres pediram para ficar, não queriam acompanhar os bêbados. Os delinquentes entraram num carro e picaram a mula, com medo da Polícia. Em pouco tempo meus três amigos estavam abraçados às moças e foram vadiar em Jacarecica. Depois desse entrevero quando o Magro entrava no Bar Gracy, Pescoço batia continência, chamando-o de Major Frazão, às gargalhadas.
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