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Toscos, tolos e ocos
Todo fim de ano é aquela mesma mesmice de sempre da parte de um montão de escrevinhadores, sejam eles amadores ou profissionais; essa gente tem porque tem que escrevinhar uma reflexão de fim de ano cheinha de considerações sobre o sentido da vida, a respeito da importância dos ritos de passagem e blábláblá. Como havia dito, é a mesma lengalenga todos os anos e, enquanto um reles escrevinhador que sou – por vício, não por vocação – não irei me furtar a prática desse delicioso pecadinho.
Sim, há uma grande verdade à nossa espera nesses floreios epistolares sazonais, principalmente se formos levar em conta que nossa vida, que cada um dos dias vividos por nós, acaba sendo toda ela eivada com pencas e mais pencas de doses de monotonia. Doses estas que estão a tanto tempo conosco que já criaram aquela capinha de musgo.
É muito fácil, meu Deus do Céu, como é, voltarmos nossas vistas criticamente críticas, muito mais cricas do que críticas, para a mesmice alheia que nos incomoda e desagrada, mas fazemos ouvidos moucos, e vendamos as nossas vistas, para a monotonia que toma conta de cada um dos nossos passos que integram o nosso perambular sem rumo, sem prumo, nem sentido.
Talvez, por essa razão, que muitas pessoas procuram, quando estão próximas do fechamento das cortinas do ano que está se despedindo, firmar consigo mesmas alguns propósitos que deverão ser cumpridos por elas próprias no correr do ano que está por vir. Quer dizer, para desistir de todos eles mais ou menos quando o carnaval chegar ou quando a Páscoa terminar.
De um modo geral, metas estabelecidas em momentos de regozijo são como fogo de palha. Fazem aquele banzé, mas, rapidinho as chamas da empolgação inicial se apagam.
Por isso, neste fim de ano que está se aproximando, nada de estabelecer metas, de traçar planos, de firmar propósitos para o ciclo que está por vir. Nada de começarmos o ano mentindo para nós mesmos dizendo que tudo, tudinho será bem diferente. Já deu pra tampa com essa conversa mole. Está mais do que na hora de fazermos, diante do tribunal da nossa avacalhada consciência, uma bela de uma confissão. Uma confissão humilhante.
Creio que seja justamente isso o que mais precisamos para recobrar um pouco da sanidade espiritual que perdemos um cadinho a mais todos os anos sem nos darmos conta. E, infelizmente, quanto mais perdemos, menos falta sentimos.
Muito planejamos, muitos caminhos imaginários nós traçamos no correr de nossa vida, especialmente nessas épocas, porém, entra janeiro, sai dezembro, e não movemos uma pedra sequer na direção que dizemos querer tanto alcançar. Por isso, repito: nada de planos. Apenas uma confissão de retorcer as entranhas.
Quantos planos nós estabelecemos para nós mesmos nas últimas dez viradas de ano? Quais foram as ditas metas que firmamos para nós mesmos nas últimas horas dos anos que já se foram e, quantos desses trens fuçados nós realizamos? Pois é, a resposta a essas indagações, desprovidas de toda e qualquer pretensão, são tremendamente vergonhosas; e o são, porque revelam uma faceta de nossa personalidade que preferíamos manter esquecida, toda coberta de poeira num canto qualquer da alma, para que ela não nos assombre com aquela aguda verdade sobre nós mesmos. Verdade que, sem pedir licença, estoura o balão de nosso ego tão inchado quanto adoecido.
Ah! Se fôssemos metade do que imaginamos ser em nossos planos sem fim, sem sentido e sem consistência. Não! Se fôssemos apenas um cadinho daquilo que acreditamos ser diante das ousadas metas que não chegamos nem mesmo a projetar – para, no tempo propício, dobra-las e esquecê-las – já seríamos alguma coisa. Seríamos, mas somos, até o momento, apenas o que somos.
Preferimos a doçura de uma ilusão indulgente de uma promessa que nunca será cumprida por nós do que a verdade que dissolve nossas cativantes alucinações. Preferimos nossas fantasias porque, assim, podemos lamentar conosco mesmo que ninguém, absolutamente ninguém, fez por nós o que, desde o princípio, deveria ter sido realizado por nós mesmos.
É muito mais fácil afirmarmos para os outros, e principalmente para nós mesmos, que não tivemos a oportunidade necessária para realizar todo o nosso potencial do que confessarmos, sem cerimônia, que nunca nos esforçamos minimamente para criar as condições de que necessitamos para colocar em curso as realizações que dizemos almejar tanto.
Enfim, seja como for, repito: neste fim de ano nada de planos. Nada de reflexões sobre o sentido da vida ou sobre qualquer tranqueira que o valha. Nada disso. Sugiro apenas e tão somente que apresentemo-nos desnudos diante do tribunal de nossa consciência e peçamos a Deus para que Ele nos mostre, claramente, que tipo de pessoa nós realmente somos e, também, e principalmente, sugiro que peçamos para que Ele nos ajude a não mais sermos assim, tão toscos, tão tolos, tão ocos, tão nós mesmos, porque, como todos nós muito bem sabemos, somente a verdade pode nos libertar da mesmice nossa de cada dia, de cada ano; da mesmice de uma vida inteira vivida sem lenço, sem documento, sem constância nem consistência.
Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela professor e cronista – [email protected]
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