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Uma conversa sobre lagostas
Desde pequeno uso óculos. São muitas décadas na condição de “quatro olhos”. Em meus tempos de guri, em incontáveis ocasiões, usei os ditos com as lentes sujas, cheias de dedos e, como bom tonto que era, nem percebia, até que era advertido pela minha professora, ou por meus pais, que me mandavam dar um jeito de limpar as lentes.
Quando isso ocorria, puxava a parte inferior da minha camiseta para dar aquela garibada nos óculos, ou apanhava um pedaço de papel higiênico para limpá-lo e, entre uma lustrada e outra, dava aquela baforada para deixar a lente tinindo e, em seguida, voltar a fazer o que estava fazendo.
Ao lembrar desse fato trivial que ocupa um lugar não muito especial de minhas memórias, não tenho como não fazer uma analogia desta trivialidade com as ideias que imperam no mundo moderno, com as ideologias toscas e concepções de mundo furadas que povoam o horizonte dos dias em que vivemos.
Basta evocar a imagem dos óculos de minha infância, e das cracas deste que, de tempos em tempos, apareciam nas oculares, que mais do que depressa lembro-me das absurdidades que os noticiários nos apresentam e que, ao seu modo, refletem o que há nas lentes torpes que orientam o mundo atual.
Bem, para limpar essas lentes ideologizantes, não temos ao alcance de nossa mão um papel higiênico cognitivo, nem a barra de uma camiseta filosofante. Infelizmente não podemos contar com isso. Porém, podemos utilizar como flanela o ato de ligarmos os pontos, de procurarmos as conexões que possivelmente existem entre os acontecimentos que nos são apresentados de forma desconexa para vermos a quantas anda a doideira do mundo contemporâneo e, se possível for, identificarmos as ideias que influenciam e dão curso ao fluxo de desatinos que impera entre nós e, às vezes, infelizmente, em nós.
Por exemplo, no correr desta semana, todos devem ter visto o caso dos adultos que usam chupeta. Isso mesmo. Adultos que, frequentemente, usam chupeta, vestem fralda e agem feito uma criancinha. Coisa meiga de se ver. Detalhe: não apenas age como uma criança como fica sob os cuidados de um “caregiver” – não me pergunte que trem é esse – que observa as traquinagens infantis do adulto momentaneamente reduzido a uma condição pra lá de pueril. Sim, eu sei: parece invencionice, mas não é.
Na mesma semana, pais chilenos exigem que o governo do Chile vete a lei que, de forma indevida, transfere ao Estado o papel que até então era devido aos pais. Lei essa que retira o princípio do direito preferencial, o dever singular dos pais educarem os seus filhos e, no seu lugar, estabelece que os mesmos seriam apenas orientadores dos filhos no exercício de sua autonomia.
Doutra parte, vale lembrar que não é de hoje que incontáveis psicólogos (alguns de formação, outros tantos apenas diplomados pelos botecos e salões), orientadores, conselheiros e cidadãos comuns, como eu e você, repetem incansavelmente que “palavras ferem”. “Palavras machucam”.
Aliás, vivemos em uma época em que temos, inclusive, uma lista quilométrica das chamadas “micro agressões” que podem ser desferidas aqui e acolá por qualquer um de nós contra qualquer um. Por isso, muito cuidado navegantes. Muito cuidado porque vivemos em um mundo porcelana.
É. E ao que tudo indica, foi-se o tempo em que se dizia, na forma de conselho, que paus e pedras podem até nos ferir, mas palavras, jamais. Foi-se esse tempo e, ao que parece, não volta mais.
Temos também as incontáveis polêmicas em torno do uso da tal “linguagem neutra” (que de neutra, não tem nada). Todos já devem ter visto ao menos um vídeo onde figurões e figurinhas tentam “didaticamente” dar alguns exemplos de seu uso, porém, nos últimos dias tivemos a notícia de que havia uma questão sobre o uso da tal “linguagem neutra” numa prova de seleção para uma vaga de oficial de apoio da aeronáutica.
Todos aqueles que se candidataram a referida vaga, foram apresentados a uma questão com exemplos do uso da dita cuja. No caso, era esse “diálogo” que havia na questão: “Elu é muito atenciose. Elu é minhe namorade. Ajude sue amigue. Elu é bonite. Elu é sue colega [acho que aqui deveria ser ‘colegue’.]. O trabalho delu ficou muito bom”.
Francamente, ao ler isso, em voz alta, não tive como não pensar na história dos adultos que usam chupetas e fazem uma regressão lúdica para tenra idade, com suas preleções infantilizadas.
O mundo atual, esquisito que só ele, para dizer o mínimo, não mede esforços para infantilizar a população adulta, ao mesmo tempo em que, também, não economiza subterfúgios para adultizar as crianças.
E é claro que tudo isso, que foi apresentado nessas turvas linhas a título de exemplo, nos é oferecido de forma fragmentária, praticamente todo santo dia, com aquele linguajar bonitinho onde toda essa estrovenga seria vista como sendo apenas uma manifestação da autonomia individual e que, por isso mesmo, exigiria um profundo respeito da parte de cada um de nós. Especialmente de nossa parte.
Faz muito, não é de hoje, que os caprichos humanos ganharam o status de pedra angular do caráter e, por isso mesmo, não é à toa que temos na atualidade esse festival de personalidades fora de foco que, de forma tão agressiva quanto intolerante, falam o tempo todo em tolerância.
Aliás, como bem nos lembra Theodore Dalrymple, as ideias, sim, governam o mundo, mas isso não significa, necessariamente, que sejam boas ideias. Na verdade, não são.
Enfim, diante de todos esses fatos, que se apresentam desconexos aos nossos olhos distraídos, há um terrível fio condutor que pode ser facilmente sintetizado nas palavras de advertência de Jordan Peterson, que nos diz, laconicamente: “se você acha que homens durões são perigosos, espere até ver do que são capazes os homens fracos”.
Espere e verá o que homens fracos movidos por más ideias, fantasiadas de tolerância e bom-mocismo, são capazes de fazer. Quer dizer, não é preciso esperar não. Basta que tiremos os óculos que nos são impostos pelo politicamente correto para vermos o que essas figuras estão fazendo diante de nossos olhos que a terra um dia há de comer.
Em resumo, é muito Simão Bacamarte para uma só casa de lunáticos.
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