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O olhar judaico de Anita Novinsky

10/08/2021
O olhar judaico de Anita Novinsky

Eu já tinha ouvido falar do trabalho e da competência da professora Anita Novinsky, titular da USP, quando fui por ela procurado, em 1990, para uma parceria, na elaboração do livro “O olhar judaico em Machado de Assis.” Com um prazer imenso, escrevi o prefácio desta obra, editada pela Exped do Rio de Janeiro. Firmamos ali as bases de uma sólida amizade, avivada por encontros sucessivos em palestras e seminários.

Agora, recebo a triste notícia de que, aos 98 anos de idade, Anita nos deixou. Uma perda enorme para a nossa cultura, que ela representou de forma admirável. Anita, doutora em História pela Universidade de São Paulo, destacou-se por seus notáveis saberes em Inquisição. Tornou-se íntima dos grandes conhecimentos armazenados na torre do Tombo, em Lisboa. Assim ela chegou ao poema “A cristã nova”, de Machado de Assis (1839-1908), dentro dos ideais revolucionários e liberais do período. Teria o patrono das letras brasileiras se deixado influenciar pela sua condição de mulato, solidário na dor da perseguição aos judeus?

Encontrei Anita Novinsky num seminário sobre o olhar judaico, promovido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, por inspiração de Heloísa Buarque de Holanda e Nelson Pereira. Encontro esse  texto de Anita Novinsky em “A cristã nova”: “Na Inquisição está o modelo ideal da implantação de regimes totalitários, dos seus métodos de tortura, etc.” Sobre a dramática vida dos judeus no Brasil, Anita aborda a frágil, conflituosa e dramática existência dos judeus no Brasil, nos séculos coloniais.  Ela ressalta três conceitos nucleares: Tradição, continuidade e Sacrifício. O que distingue o grande escritor dos demais é o sentido de eternidade que marca a sua obra. Anita, com a rara sensibilidade de pesquisadora e escritora soube captar todos esses elementos essenciais em sua obra.

Como judia apaixonada, Anita Novinsky tratou do judaísmo em várias de  seus livros,  como Viver, O Dilúvio, Antônio José e A cristã nova. Deixou para a posteridade textos de grande riqueza literária, que ora recordamos com todo o respeito e veneração.