Esportes
Amigos e rivais, jovens russos apostam em união para formar nova força do tênis
Na série “O Gambito da Rainha”, da Netflix, a protagonista Beth Harmon aprende ao longo de sua trajetória no xadrez que os russos dominavam a modalidade porque são unidos, trocam informações e vivem aprendendo uns com os outros. Guardadas as proporções, a nova geração de tenistas da Rússia segue este mesmo caminho: são amigos e rivais, trocando experiências e vivências. Juntos, querem dominar o circuito nos próximos anos.
Esta nova geração é liderada por Daniil Medvedev, de 25 anos. Andrey Rublev, de 23, e Karen Kachanov, de 24, vêm logo atrás. “Eles têm talento, golpes consistentes, são competitivos, humildes e trabalham duro”, enumera o espanhol Fernando Vicente, técnico de Rublev e eleito o melhor treinador da temporada passada. “Eles são competitivos uns com os outros e têm um grande relacionamento. É ótimo estar perto deles.”
Vicente teve esta oportunidade na última edição da ATP Cup, em janeiro. Na competição por equipes, Medvedev e Rublev lideraram a Rússia na conquista do título, sem dar chance aos rivais. “Eles estão alcançando um nível que logo será difícil de ser atingido porque estão jogando um tênis inacreditável”, avalia Evgeny Donskoy, capitão do time russo no torneio.
Antes considerado uma promessa, Medvedev já é uma realidade. Na segunda-feira, despontará na segunda colocação do ranking da ATP, superando Rafael Nadal. O feito, aparentemente corriqueiro no mundo do tênis, tem significado especial: será a primeira vez desde 2005 que um tenista da nova geração ocupa um dos dois primeiros lugares do Top 10. Desde aquele ano, somente quatro atletas estiveram no posto de número 1 do mundo ou na vice-liderança: os trintões Roger Federer, Rafael Nadal, Novak Djokovic e Andy Murray, sendo estes dois últimos os mais novos, ambos com 33 anos.
Medvedev é quem esteve mais perto de derrubar um integrante do Big 3, formado por Djokovic, Nadal e Federer. No US Open de 2019, levou o espanhol a uma final de cinco sets, marcada pelo equilíbrio e chances para ambos os lados. Na ocasião, se tornou o primeiro russo a alcançar uma decisão deste nível desde que o compatriota Marat Safin venceu o Aberto da Austrália de 2005.
Entre o fim de 2020 e o início deste ano, o futuro número dois do mundo emplacou uma série de 20 vitórias consecutivas, ao se sagrar campeão do Masters de Paris, do ATP Finals e da ATP Cup. Chegou à mais uma final de Slam, na Austrália, mas perdeu concentração e foi alvo fácil para Djokovic, o número 1 do mundo.
Atual número 8 do mundo, Rublev foi o tenista que mais levantou troféus em 2020. Foram cinco títulos. A forte sequência o levou ao Top 10, tornando a Rússia o único país com dois tenistas dentro da lista dos dez melhores do mundo na atualidade. Na Austrália, alcançou a marca de três quartas de final seguidas em torneios de Grand Slam.
Campeão em Roterdã, no domingo, Rublev já começou a colecionar marcas importantes no circuito. São 20 triunfos seguidos em competições de nível ATP 500, a terceira maior nestes eventos, atrás apenas de Federer (28) e Murray (21).
“Tanto o Medvedev quanto o Rublev são muito bons. Mas acredito que o Rublev ainda tenha muita coisa para mostrar e se desenvolver. Acho que ainda não mostrou tudo o que pode fazer”, avalia o tenista brasileiro Marcelo Melo, acostumado a conviver com os russos no circuito, em entrevista ao Estadão. “Acredito que o Khachanov esteja um degrau abaixo.”
Ocupando atualmente a 21ª posição do ranking, Khachanov já foi o 8º e despontou no circuito em 2018, com três títulos, um deles o Masters de Paris. Na ocasião, surpreendeu o mundo ao atropelar na sequência o alemão Alexander Zverev, o austríaco Dominic Thiem, outras estrelas da nova geração, e Djokovic, na final. Todos em sets diretos.
Não por acaso Medvedev, Rublev e Khachanov são fãs de xadrez. Disputam partidas entre si entre um treino e outro. Khachanov até admite estudar um pouco a modalidade. Medvedev já falou publicamente sobre a possibilidade de virar enxadrista amador quando largar as raquetes. Rublev confessa o hobby, porém diz que não gosta de partidas muito longas.
Para Evgeni Kafelnikov, o sucesso do trio é inevitável. “Todos sabemos que é inevitável que eles venham a ganhar Grand Slams. É apenas uma questão de quando e onde”, projeta o primeiro russo a ganhar uma competição deste nível, em simples, em Roland Garros em 1996 – também venceu na Austrália, três anos depois.
“Para ser honesto, ficaria feliz se um deles me superasse em números de títulos e semanas na liderança do ranking. Minha carreira foi bem-sucedida e espero que eles possam fazer ainda melhor”, diz o veterano russo, dono de 26 títulos em simples na carreira. No entanto, ele evita comparações entre eles e a sua geração, ao lado de Safin, também dono de dois títulos de Slam.
“É quase injusto estabelecer uma linha entre as gerações. Todos nós tivemos nossos momentos difíceis, jogando contra caras como Sampras, Agassi, Becker, Edberg, (Guga) Kuerten. Eles vão dizer que tiveram momentos complicados por enfrentar Federer, Nadal e Djokovic. É compreensível”, argumenta Kafelnikov.
Autor: Felipe Rosa Mendes
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