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O enterro do Colaço
Foi numa comemoração da Anistia Política no final de 1979 em um bar no aprazível bairro da Mangabeiras que conheci uma das figuras marcantes da cidade de Maceió, Rubens Colaço, presidente do Sindicato dos Rodoviários, militante político, dirigente do Partido Comunista Brasileiro e boêmio inveterado. Ele estava sentado junto à minha mesa, quando alguém me apresentou como capitão, aproximou-se, deu-me a mão, conversamos até altas horas. Fizemos uma boa amizade, apesar das contradições políticas.
Certo dia apareceu em Maceió, Paulo Cavalcante, deputado pernambucano, ex preso político no quartel onde eu servi como tenente em 1964, a 2ª Companhia de Guardas no Recife. Paulo pediu aos companheiros de partido para ter algum contato com seu ex-“carcereiro”, o tenente Lima. Rubens Colaço logo me telefonou. Juntos com Geraldo Majella e Alberto Jambo, passamos o fim de semana mostrando as belezas de Maceió a Paulo Cavalcante. Depois de rodar pelas praias urbanas fomos à praia do Francês, passeio de lancha na Lagoa com direito a banho no Broma. Bons papos, boas cervejas, peixe e camarão, comunista gosta de coisa boa. Paulo Cavalcante recordou muitas histórias durante sua prisão na Companhia de Guardas. Escreveu um livro, “O Caso Conto Como O Caso Foi”. Tornou-se meu amigo.
Assim consolidei minha amizade com Colaço. Muitas vezes encontrava-me com o velho guerreiro nos bares da cidade; sempre um excelente papo de humor, esvaziando copos. Certa vez um lavador de carro encontrou no chão do meu fusca uma dentadura. Como eu havia tomado umas cervejas com Rubens no dia anterior, fui até sua casa. Encontrei-o banguela. Ficou radiante que nem menino quando avistou sua amada dentadura. Entreguei-a enrolada em um pano, ele segurou-a, olhou-a com carinho, sorriu e no mesmo instante colocou-a na boca. Voltou a ter aquele sorriso maroto.
Anos depois Colaço morreu, houve uma comoção entre os moradores de Jaraguá, do Poço, Ponta da Terra, Mangabeiras e adjacências. Os estivadores do cais do porto pararam de trabalhar mais cedo para homenagear Colaço. Os pobres, os descamisados, os sem terra, sem teto, perdiam seu pai, seu irmão, seu farol, seu guru. O velório estava cheio, amigos dentro e na calçada, sempre tomando uma pinguinha,
Sua casa estava repleta de gente do povo, choravam a morte de um homem que se dedicou sua vida às causas do trabalhador, assim discursavam. A cachaça e a cerveja rolando. O choro e a emoção aumentavam com os discursos. Intelectuais, políticos, desocupados, até um padre e uma cafetina se apinhavam na casa. Seus amigos de copo e de luta prestavam a última e dolorosa homenagem. Os discursos sucediam e atrasaram a saída do enterro. Passava da hora de seguir para o cemitério de Jaraguá. Ninguém disposto a fechar o caixão. Até que alguém mais sensato advertiu que havia chegado o momento; a família acatou.
Ao segurar na tampa do caixão, um dos chorosos amigos, cheio de cachaça na cabeça, pediu para adiar o enterro, ficar mais um pouco com Colaço.
Formou-se uma calorosa discussão. Fizeram reunião na sala ao lado. Depois de muito discutir, um líder do PCB irritado com os companheiros bêbados, insistentes, saiu da sala, desabafou num rompante.
-Tudo bem façam o que quiserem. Peguem o defunto com caixão e tudo e enfiem no cu.
Deu-se um mal estar. A família do morto resolveu levá-lo naquela hora. Tamparam o caixão, foram em direção à sua última morada. O féretro seguiu caminhando, alguém na frente orientava o percurso. Ao entrar no cemitério, mandaram entrar à direita. Nesse momento, um fiel amigo, cheio da cachaça, gritou:
– Parem o enterro! O companheiro Rubens nunca entrou à direita quando vivo, sempre foi coerente com seus princípios e não será agora depois de morto que ele vá entrar à direita. Rubens Colaço só entra à esquerda. Ouviram-se alguns vivas e o enterro prosseguiu sempre entrando à esquerda pelas ruas estreitas do cemitério, essa manobra durou mais de uma hora, até que afinal o caixão parou em frente à cova pronta para receber o líder Colaço. Hoje ele deve estar à esquerda de Deus pai todo poderoso.
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