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Entre novos caminhos e velhas jogadas

05/02/2021
Entre novos caminhos e velhas jogadas

Minha mãe sempre diz que quando Deus atende nossas preces, Ele o faz por misericórdia; e quando não atende, é por misericórdia também, porque, muitas vezes, muitas vezes mesmo, nós não sabemos o que estamos querendo. Ou, como nos ensina Hugo Von Hofmannsthal, o “bicho gente” sempre está cheio de intenções. Detalhe: nós não as conhecemos, mas elas constituem os impulsos secretos que pulsam em cada uma de nossas ações.

Mudando de saco pra mala, Lênin – que não valia nada, mas era um tremendo estrategista político – dizia que há décadas em que nada acontece; e que há semanas em que décadas acontecem e, algo me diz, não sei, que essa primeira semana de fevereiro de 2021 foi uma delas. Sim, eu sei que o Rodrigo Maia tem uma carinha insossa e que, toda vez que ia falar dava a impressão que iria se debulhar em lágrimas feito manteiga derretida, porém, lembremos que mais perigosos que os homens carrancudos e violentos são aqueles que são dissimulados e gelatinosos.

Lênin também dizia que os fatos são teimosos e, por isso mesmo, julgo que seja importante lembrarmos de um fato que, aparentemente, foi engolido pelas brumas do tempo midiático.

No comecinho de 2019, logo no início do mandato do “presidento” Jair Bolsonaro, começou a se cogitar e, em certa medida, a ser colocado em prática, aquilo que a extrema-impressa, juntamente com alguns parlamentares, passaram a chamar de “parlamentarismo branco”. Lembram-se disso? Pois é. Não tem como esqueceu. A ideia era de se instalar no país um sistema de governança a partir do Legislativo para anular o poder Executivo.

Como o Executivo estava se recusando a formar um governo de coalizão – que nada mais é que um nome pimpão para “toma lá dá cá” – essa ideia, de “parlamentarismo branco”, passou a ser colocada em curso. Inclusive, o senhor Rodrigo [Botafogo] Maia – suposto codinome do mesmo na lista da Odebrecht – estava já sendo, em 2019, tratado por alguns órgãos de imprensa como sendo uma espécie de “primeiro-ministro”.

Não apenas a extrema-imprensa o chamava assim. Muitos deputados se referiam a ele dessa forma. Uma coisa linda de se ver. O termo não saía da boca de muitos e, por isso, como nos ensina, mais uma vez, Hugo Von Hofmannsthal, nada é mais oculto do que as coisas com que continuamente estão na nossa boca. Quer dizer, no frigir dos ovos não são tão ocultas assim.

Imagino que ele não esperava um fim dantesco como esse de segunda-feira. Não apenas ele. Muitos queriam que o tal do “parlamentarismo branco” continuasse para empacar as atividades do Congresso Nacional e, consequentemente, continuasse a atravancar o Brasil. O Nhonho, como é chamado pela galera da geral, tentou de tudo para poder continuar por cima da carne seca, mas não deu. O sonho do Maia acabou, a festa terminou, e agora José? Agora podemos voltar a sonhar, porém, sem tirarmos os pés do chão. Podemos? O tempo dirá.

E tem outra. Há pessoas que, como nos adverte Von Hofmannsthal, podem chegar aos sessenta, aos setenta anos, sem fazer a mais mínima ideia do que seria o tal do caráter. Infelizmente há pencas e mais pencas de caboclos desse naipe tanto à destra, quanto à sinistra; e, por isso, penso que outro ponto que merece destaque nesse entrevero todo é que se tornou praticamente público e notório a real face de inúmeros indivíduos que se apresentavam em 2018 como sendo “liberais na economia e conservadores nos costumes”; expressão essa que, nada mais seria que uma forma fofa de declarar que se é um oportunista sem sal e sem noção.

Alguns, sou franco em dizer, nunca me enganaram. Outros, tenho de reconhecer, me engambelaram direitinho. Fazer o quê? Vida que segue.

Enfim, para a tristeza de alguns e para a alegria geral da nação, o “parlamentarismo branco” do Botafogo Maia acabou. Fim. Mas o jogo continua e, não nos esqueçamos que, como nos ensina o autor supracitado nessa escrevinhada, somos cheios de intenções. Cheios até a tampa do pote. Nós não as conhecemos como deveríamos, mas elas constituem todos os impulsos secretos que habitam cada uma de nossas ações, cada uma delas e, cedo ou tarde, elas acabam sendo expostas, ficando no limpo diante dos olhos de todos.