Economia
Projetos ameaçam receitas do governo
Em meio ao aumento de gastos para amenizar a crise econômica causada pela pandemia da covid-19, ao menos 102 projetos de lei que podem reduzir a receita do governo – e, portanto, os recursos para novas despesas – estão em debate no Congresso. Quase a totalidade não traz estimativa de impacto fiscal – alguns pedem para que o corpo técnico do Congresso faça as projeções. Cálculos do Centro de Liderança Pública (CLP) mostram que só 11 projetos já reduziriam a arrecadação anual em R$ 105 bilhões, valor que sustentaria o Bolsa Família por até 3,5 anos.
O levantamento considera os projetos apresentados desde o ano passado. Do total, 42% têm alta ou média chance de ir à votação e 78%, impacto considerado médio ou alto para os cofres públicos. “Algumas medidas não têm impacto financeiro muito relevante, mas passam péssima mensagem em um momento em que o Estado precisa controlar as contas públicas”, diz Tadeu Barros, diretor de operações do CLP.
Barros destaca que o grande volume de projetos sem foco em investimentos também prejudica a recuperação da economia no pós-covid. “Quando encho o Congresso com pautas que são incongruentes com nosso cenário, cria-se uma certa confusão.”
Dentre os projetos, há alguns de interesse de boa parte dos contribuintes, como o da correção da tabela do Imposto de Renda. Mas a maioria das propostas contabilizadas pelo CLP beneficia um grupo determinado da população ou um setor da economia. Na liderança, aparece a indústria, com 17% das propostas, seguida por motoristas de aplicativos, com 16%.
Dos PLs que favorecem a indústria, o Partido Progressista (PP) e o Partido Social Liberal (PSL) assinam o maior número de propostas, que vão da criação de zona franca para a indústria de moda íntima até isenção de IPI para fabricantes de carros elétricos. Esses dois partidos são também os que propuseram, de forma geral, o maior número de textos com impacto fiscal negativo para os cofres públicos.
Procurado, o PP afirmou que orienta votos favoráveis em matérias que buscam responsabilidade fiscal. “Também respeitamos o posicionamento individual de cada parlamentar, cujos assuntos apresentados serão analisados e discutidos dentro da bancada no seu devido momento”, disse o líder do PP, Arthur Lira, por meio de sua assessoria.
A Liderança do PSL, exercida por Felipe Francischini (PR), disse que os projetos são apresentados pelo parlamentar com ajuda das equipes técnicas dos seus gabinetes. “A Liderança do PSL tem como principal função assessorar e orientar o líder e a bancada em votações em plenário e nas comissões. Porém, nossos técnicos também auxiliam, quando acionados, na elaboração dos projetos de lei, inclusive com pareceres orçamentários e os eventuais impactos nas contas públicas. No entanto, não há juízo de valores da nossa parte, os levantamentos são estritamente técnicos e informativos.”
Na avaliação de economistas, qualquer debate feito neste momento sobre a possibilidade de abrir mão de receita precisa considerar medidas compensatórias e o cenário fiscal delicado do País. “Se não conseguirmos manter equilibradas as contas públicas em 2021, não vamos conseguir manter os juros baixos, que serão os responsáveis pela recuperação”, diz o economista Pedro Schneider, do Itaú.
Professor de administração pública da UnB, Roberto Bocaccio Piscitelli avalia que o baixo rigor dos parlamentares com as repercussões financeiras das propostas revelaria falta de responsabilidade com as questões orçamentárias. “É produto ou subproduto da cultura brasileira da falta de planejamento. Os deputados também lavam as mãos. Eles, na maior parte das vezes, não têm condições de apurar o impacto. Quando pedem ao Executivo, às vezes o retorno não ocorre. E o próprio Executivo não faz muita questão de examinar, não tem o cuidado de fazer estimativas razoáveis.”
Desde o ano passado, o deputado Célio Studart (PV-CE) já apresentou três projetos de lei que alteram o fluxo de receitas do governo. Um que atualiza a tabela do Imposto de Renda, outro que isenta produtos sustentáveis de IPI e um terceiro que isenta de diversos impostos preparações usadas na alimentação de animais domésticos. De acordo com o CLP, o primeiro texto teria um impacto negativo de R$ 70 bilhões por ano às contas públicas e os outros dois, juntos, de R$ 2 bilhões.
Studart, que está em seu primeiro mandato na Câmara, avalia que caberia aos parlamentares o foco nos benefícios sociais das proposições que formulam, de modo que não seria prudente abortar de antemão qualquer ideia com base apenas no tamanho da repercussão financeira. “A correção da tabela do Imposto de Renda, objeto de um dos nossos projetos de lei, é uma questão de justiça tributária debatida há anos no País e ainda sem solução.”
O deputado também afirma que impactos e fonte de recursos são elementos que devem ser discutidos durante a tramitação das propostas. “É importante destacar outro aspecto: se o parlamentar faz uma proposição e o Congresso a aprova, cabe ao presidente da República vetar ou não e, em caso de sanção, é responsabilidade do Poder Executivo administrar os recursos para que a lei em questão seja cumprida.”
Outro projeto, este de autoria do deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP), prevê isenção de Imposto de Renda sobre a aposentadoria e poderia causar um rombo de R$ 6 bilhões por ano aos cofres públicos, ainda segundo cálculos do CLP. Neste ano, ele também apresentou proposta para deduzir cursos preparatórios do IR.
O deputado afirma que suas matérias beneficiam idosos, estudantes e pessoas com deficiência, além de aumentarem a renda das famílias e permitirem que recursos “voltem para a economia em forma de consumo”. Para Lucena, as consequências financeiras devem ser debatidas em momento oportuno. “Os impactos orçamentários de propostas como essas e as eventuais ações de adequação orçamentária são tempestivamente analisados pela Comissão de Finanças e Tributação.”
Carona
No fim de maio, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP) apresentou projeto de lei que isenta de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) carros comprados por idosos, com a justificativa de incentivar a indústria automotiva. Segundo o Centro de Liderança Pública (CLP), esse projeto tem probabilidade média de ir à votação e traria um impacto considerado alto para as contas públicas, de R$ 4,5 bilhões por ano.
Apesar de ter entrado com o projeto no meio da pandemia, Frota afirma que a intenção é votá-lo após a crise sanitária. “Até porque a Câmara vem votando preferencialmente os projetos sobre a pandemia”, diz. Ele acrescenta que a medida terá impacto positivo na criação de empregos. “A arrecadação de IPI cairia um pouco, porém os demais impostos subiriam com o aquecimento do mercado.”
Para Fabio Klein, da Tendências Consultoria, algumas medidas pontuais para desafogar o custo tributário das empresas até podem ser positivas neste momento. “Não são pautas-bomba, elas são até bem-vindas diante da situação.” Mas, segundo ele, o risco é que, com o argumento da pandemia, projetos antigos acabem pegando “carona”, sejam aprovados e virem algo permanente.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Autor: LUCIANA DYNIEWICZ e VINÍCIUS VALFRÉ
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