Economia

‘Quero investir sem conflito de interesses’

26/06/2020

Nesta semana, uma campanha publicitária do Itaú questionou a atuação dos agentes autônomos, provocando uma resposta da XP, criadora e principal defensora desse modelo. O mais interessante nessa história é que essa é uma briga “caseira”: afinal, o Itaú detém 46% do capital da XP.

“Quando uma instituição com o porte do Itaú direciona os holofotes para esse tema, o grande público vai dar um outro tipo de atenção ao problema”, diz Marcelo Maisonnave, sócio-fundador e diretor institucional da Warren, plataforma digital de investimentos que detém R$ 2 bilhões sob custódia e 130 mil clientes.

Maisonnave é mais do que um espectador da questão do conflito de interesse na atuação dos agentes autônomos. Ele é cofundador da XP com Guilherme Benchimol – e deixou a sociedade em 2014.

Naquele momento, os sócios romperam por desacordo sobre os caminhos que a empresa deveria seguir. Ao deixar a sociedade, Maisonnave passou a dedicar seu tempo ao que classifica de “iniciativas disruptivas”. Além da Warren, é sócio da Startse e da fintech Monkey. “A XP parou naquele modelo que ela revolucionou, há dez anos”, afirma.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedida ao E-Investidor, site de finanças pessoais do Estadão.

Por que esse debate envolvendo Itaú e XP ganhou uma proporção enorme?

As corretoras passaram a última década batendo nos bancos em razão dos produtos caros e ruins, do conflito de interesse e por só oferecerem investimento nos produtos próprios. Mas esse é um tema já antigo, foi há dez anos. De lá para cá, muita coisa aconteceu. Falaram hoje: ‘Comecei há 20 anos atrás numa salinha de 25 m²’. Eu comecei, estava lá também. Vi toda a indústria se desenvolver. A XP tem um mérito fantástico e tenho muito orgulho de ter feito a história com meus outros sócios, os que estão lá e os que saíram. Parabéns, mas não pode parar ali. A indústria, as pessoas, os produtos, a tecnologia, a integração, a informação continuaram evoluindo. E a XP não. A XP parou naquele modelo que ela revolucionou há dez anos.

Ou seja, do agente autônomo exclusivo dependente de rebate?

Sim, exclusivamente baseado em comissão. O que a XP tinha diferente dos bancos? Uma plataforma aberta, e colocou uma camada motivada de assessores para ligar para clientes. A propaganda do Itaú ficou muito boa porque pegou bem o ângulo do conflito, na cena da pessoa ao telefone. O assessor liga porque vai ganhar dinheiro fazendo aquela venda. É um canal sob conflito de interesse.

O que acontece em outros mercados?

A indústria no mundo evoluiu. Na Inglaterra, desde 2012, o distribuidor não recebe remuneração do produto. O distribuidor precisa ser remunerado pelo cliente final, o que não tem conflito de interesses. Nos Estados Unidos, que foi a grande inspiração da XP com a Charles Schwab, eles também já estão em outro modelo. Oitenta por cento da indústria americana de investimentos já é distribuída por gestores de patrimônio. O Itaú jogou holofote nesta questão no Brasil.

Os bancos voltaram a ser as melhores opções no Brasil?

O Itaú e outros bancos atingiram um ponto mais avançado, mas evoluíram tanto que são a melhor opção para o cliente? Não é verdade. Melhoraram, abriram a plataforma. A própria campanha do Itaú fala que aperfeiçoaram o modelo de remuneração da sua rede de distribuição para diminuir o conflito de interesse, o que é muito bom. Mas a XP não fez isso. O que a XP fez há algumas semanas foi abrir e divulgar a comissão dos agentes autônomos. Mas a dela não divulga. Foi isso que o Itaú resolveu chamar a atenção. Quero investir sem conflito de interesses.

O distribuidor é o grande vilão?

A indústria de distribuição de investimentos é superimportante, eu faço parte dela. Mas não cria nada. Tira uma parcela do gestor, banco ou empresa que emitiu a debênture. Foi citado pela XP: o que tem de errado em ganhar dinheiro? Não tem problema, mas estamos tratando aqui de uma indústria regulada. Que contas devem ser prestadas? O gigantismo (da XP) tomou conta da indústria de distribuição de investimentos. Por vários fatores, os concorrentes perderam muito tempo em acordar. O que fez esse player ficar muito dominante e agressivo e, de fato, causar uma distorção do mercado.

O que deve acontecer agora com a distribuição?

Vão ter de empurrar clientes para produtos estruturados, onde as comissões estão embutidas e mais difíceis de serem verificadas. Além disso, ainda tem uma camada de assessores de investimento que são pagos por produtos vendidos. Eles, naturalmente, estão alinhados a empurrar os clientes para tomar mais risco. Distribuir fundo de renda fixa não rende mais. Novamente, a crítica do Itaú pegou nesse ponto. Esse player (a XP) extremamente organizado, dominante, e cada vez mais ganancioso está se apropriando cada vez mais dessa indústria. Nosso regulador no Brasil não pode se omitir.

Como diminuir ou acabar com esse conflito?

À medida que o investidor tiver mais informação e educação financeira, vai conseguir perceber a venda viciada. Muitas vezes o produto de margem mais baixa não é oferecido porque não rende nada para o assessor. À medida que houver mais plataformas e que surgir na cabeça do investidor a possibilidade de estar sendo prejudicado, ele tende a se proteger.

A XP critica, em sua carta, o modelo dominante de bancos, mas repete o comportamento?

Exato. Ninguém ali abraçou a transparência. O Itaú é ótimo ao se posicionar dizendo que a distribuição dele tem indicadores menos ‘conflitados’. Para mim, a reação da XP não respondeu. E acredito que outras plataformas tinham de responder também. Porque o Itaú não cita a XP, que acusou o golpe. Não vi o André Esteves, do BTG, respondendo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Marcio Kroehn
Copyright © 2020 Estadão Conteúdo. Todos os direitos reservados.