Artigos
Encarcerada posta em liberdade porque ia ser Mãe

Compareceu a minha presença, no Fórum de Vila Velha, quando eu era Juiz da ativa, Edna S., grávida de oito meses, que estava presa na Cadeia da Praia do Canto, enquadrada no artigo 12 da Lei de Tóxicos (tráfico) porque foi presa com gramas de maconha.
Diante do quadro dramático – uma pobre mulher grávida, encarcerada – proferi, em audiência, despacho que transcrevo a seguir.
“A acusada é multiplicadamente marginalizada: por ser mulher, numa sociedade machista; por ser pobre, cujo latifúndio são os sete palmos de terra dos versos imortais do poeta; por ser prostituta, desconsiderada pelos homens, mas amada por um Nazareno que certa vez passou por este mundo; por não ter saúde; por estar grávida, santificada pelo feto que tem dentro de si, mulher diante da qual este Juiz deveria se ajoelhar, numa homenagem à maternidade, porém que, na nossa estrutura social, em vez de estar recebendo cuidados pré-natais, espera pelo filho na cadeia.
É uma dupla liberdade a que concedo neste despacho: liberdade para Edna e liberdade para o filho de Edna que, se do ventre da mãe puder ouvir o som da palavra humana, sinta o calor e o amor da palavra que lhe dirijo, para que venha a este mundo tão injusto com forças para lutar, sofrer e sobreviver.
Quando tanta gente foge da maternidade; quando milhares de brasileiras, mesmo jovens e sem discernimento, são esterilizadas; quando se deve afirmar ao Mundo que os seres têm direito à vida, que é preciso distribuir melhor os bens da Terra e não reduzir os comensais; quando mulheres se privam de gerar, Edna engrandece hoje este Fórum, com o feto que traz dentro de si.
Este Juiz renegaria todo o seu credo, rasgaria todos os seus princípios, trairia a memória de sua Mãe, se permitisse sair Edna deste Fórum sob prisão.
Saia livre, saia abençoada por Deus, saia com seu filho, traga seu filho à luz, que cada choro de uma criança que nasce é a esperança de um mundo novo, mais fraterno, mais puro, algum dia cristão.”
Foi ao vê-la grávida, incomodada com o peso do feto, pois recusou sentar-se dizendo que ficava mais à vontade de pé, que pude compreender a dimensão do sofrimento de Edna.
Foi diante de Edna mulher, Edna ser humano, que pude perceber o que significava para ela estar presa.
Pouco tempo depois, Edna veio se apresentar em Juízo, como tinha sido determinado. Trouxe no colo a filhinha que estava no ventre, no dia em que foi solta.
Ela me disse então que, no dia em que foi libertada, prometeu a si mesma – poderia passar fome, mas mudaria de vida.
Mais lidas
-
1CASO GABRIEL LINCOLN
Palmeira: Ministério Público ouve familiares e advogado de jovem morto em ação policial
-
2EDUCAÇÃO
Seduc realiza 6ºconvocação do PSS de profissionais de apoio da Educação Especial
-
3PALMEIRA DOS ÍNDIOS
Tia exonera sobrinho, irmão do ex-prefeito imperador; ele está envolvido em denúncias de contratação irregular de trabalhadores
-
4PALMEIRA DOS ÍNDIOS
Prefeita Luísa Duarte nomeia sogro do ex-prefeito-imperador Julio Cezar para cargo de assessoria técnica
-
5TRÊS VANS LEVARÃO LIDERANÇAS INDÍGENAS
Audiência Pública sobre desabastecimento em Palmeira dos Índios terá presença de lideranças Xucuru Kariri