Brasil
Aras rejeita ações contra campanha “O Brasil não pode parar”
O procurador-geral da República, Augusto Aras, afirmou nesta segunda-feira (13/04) que não ficou comprovada a existência da campanha “O Brasil não pode parar”, que foi difundida em redes sociais do governo no fim de março para incentivar a reabertura do comércio e pregar o fim de medidas amplas de isolamento tomadas por governos estaduais em meio à pandemia.
Apesar da declaração de Aras, peças visuais do material ficaram no ar por três em contas da Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) e um vídeo da campanha produzido pelo órgão foi difundido no Whatsapp após ser publicado pela família Bolsonaro.
A manifestação de Aras ocorreu no âmbito de duas ações movidas pelo partido Rede Sustentabilidade e pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos (CNTM), que acionaram o Supremo Tribunal Federal (STF) no mês passado para barrar a campanha.
“Ante a ausência de demonstração concreta pelas requerentes da existência de atos direcionados à veiculação oficial pelo governo federal ou pela Presidência da República de campanha publicitária denominada ‘O Brasil não pode parar’, as ADPFs 668/DF e 669/DF não merecem ser conhecidas, por falta de apresentação de documentação apta à comprovação da existência do ato do poder público nelas apontado como lesivo a preceitos fundamentais”, afirmou Aras.
“Mesmo para os que afirmam haver existido o aludido ato, teria subsistido por breve período e, ao final, sido retirado de circulação, o que levaria, de toda sorte, a uma perda superveniente do objeto apontado nesta ADPF”, disse o procurador-geral.
O procurador-geral ainda afirmou que o instrumento usado para contestar a campanha, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) não é a modalidade de ação cabível neste caso.
“A arguição de descumprimento de preceito fundamental é típica ação constitucional vocacionada a preservar a integridade da Constituição Federal, na falta de outro meio eficaz para salvaguarda, em face de atos do Poder Público, lesivos a preceitos fundamentais”, completou Aras.
Segundo o procurador-geral, já existem duas ações populares e uma ação civil pública que tratam do mesmo assunto e que estão tramitando na primeira instância da Justiça Federal de São Paulo, Rio de Janeiro e do Distrito Federal, “o que demonstra haver outros meios para se combater o ato da União”.
Campanha
A campanha “O Brasil não pode parar” foi lançada no fim março pelo governo. Num primeiro momento, redes sociais da Secretaria de Comunicação e contas ligadas à família Bolsonaro distribuíram montagens e um vídeo com o slogan, incentivando a população a “voltar ao trabalho”.
A campanha seguia o espírito de uma série de declarações recentes do presidente, contrário a medidas tomadas por vários estados para forçar o isolamento social para combater a pandemia. Bolsonaro vem defendendo uma forma de isolamento parcial, com quarentena apenas para idosos e pessoas com doenças crônicas.
Sobre potenciais mortes, Bolsonaro tem adotado uma postura fria. “Alguns vão morrer, vão morrer, lamento, é a vida. O Brasil tem que voltar à normalidade. Não pode parar uma fábrica de automóveis porque tem mortes no trânsito”, disse no final de março.
Essa posição também vem sendo usada pelo Planalto para bater de frente com vários governadores que adotaram medidas mais amplas de isolamento. Alguns são potenciais rivais do presidente nas eleições de 2022.
A campanha, no entanto, contrariava recomendações de médicos e da Organização Mundial da Saúde (OMS) e ia na contramão até mesmo do Ministério da Saúde.
No dia 28 de março, diante da reação negativa, o governo apagou publicações com o slogan de contas oficiais. A Secom, por sua vez, divulgou um comunicado repleto de informações infundadas afirmando que a campanha não existia.
“Não há qualquer veiculação em qualquer canal oficial do Governo Federal a respeito de vídeos ou outras peças sobre a suposta campanha”, disse uma nota do órgão, ignorando o fato que as imagens ficaram disponíveis por três dias nas redes do governo antes de serem deletadas.
A Secom admitiu a existência do vídeo da campanha, que chegou a ser difundido por um dos filhos do presidente, o senador Flávio Bolsonaro, mas disse que o material era de caráter “experimental” e que não chegou a ser aprovado. A secretária não explicou como o vídeo foi distribuído para a militância do governo.
No mesmo dia, a Justiça Federal do Rio de Janeiro mandou suspender a campanha. A decisão atendeu a um pedido do Ministério Público Federal, e proibiu a divulgação da campanha por rádio, TV, jornais, revistas e sites.
Poucos dias depois, foi a vez do partido Rede e da CNTM ingressarem com pedidos similares no STF – as ADPFs criticadas por Aras nesta segunda-feira. Os pedidos foram atendidos pelo ministro Luís Roberto Barroso, que apontou que “uma campanha publicitária, promovida pelo governo, que afirma que ‘o Brasil não pode parar’, constitui, em 1º lugar, uma campanha não voltada ao fim de ‘informar, educar ou orientar socialmente'”.
Barroso ainda impediu que o governo voltasse a veicular campanhas na linha da “O Brasil não pode parar” e que estejam na contramão de recomendações da OMS, em especial aquelas que incentivem o retorno “às suas atividades plenas, ou, ainda, que expresse que a pandemia constitui evento de diminuta gravidade para a saúde e a vida da população”.
Nesta segunda-feira, Aras também se manifestou sobre a decisão de Barroso, e disse que não cabe ao Supremo, mas somente ao Poder Executivo, decidir sobre o grau de isolamento social necessário e o melhor momento para implementá-lo no combate à pandemia.
“Na repartição das funções de poder do Estado, repousa sobre o Executivo a estrutura e a expertise necessárias à tomada de decisões rápidas e adequadas ao enfrentamento de crises que repousam sobre cenários fáticos voláteis, tal como o atual enfrentamento da epidemia de covid-19”, disse Aras.
Original italiano
A campanha lançada pelo governo também era similar a uma iniciativa italiana que foi difundida pouco antes de o país europeu registrar um crescimento explosivo no número de mortes por coronavírus.
Em 27 de fevereiro, o prefeito de Milão, Giuseppe “Beppe” Sala, compartilhou um vídeo da campanha “Milão não para” (Milano non si ferma, no original) nas redes sociais. À época, a Itália toda só contava 17 mortes provocadas pelo coronavírus e 147 infectados, e muitos líderes políticos e empresários vinham criticando medidas drásticas para forçar o isolamento social que foram impostas em um primeiro momento.
O vídeo havia sido criado por uma associação de bares e restaurantes da cidade, e mostrava pessoas em situações descontraídas em restaurantes, passeando em parques e esperando em estações de trem. As últimas mensagens diziam “A Itália não para” e “Nós não vamos parar”. Dois dias depois, o prefeito Sala também divulgou no Instagram uma foto na qual aparecia usando uma camiseta com o slogan “Milão não para”. O vídeo foi difundido em fevereiro pelo ultradireitista Matteo Salvini, ex-vice-premiê da Itália.
Um mês depois de o vídeo ter ido ao ar, apenas a região da Lombardia, onde fica Milão, acumulava 5.402 mortes por coronavírus. Ao final, a Itália acumulou tanto as milhares de mortes como se viu obrigada a adotar medidas drásticas de isolamento.
Nesta segunda-feira, o país registrou mais de 20 mil mortes e ainda 156 mil casos de infecção.
Diante da evolução trágica da situação, o prefeito milanês Beppe Sala pediu desculpas por ter endossado a campanha “Milão não para”.
“Muitos se referem àquele vídeo que circulava com o título ‘Milão não Para’. Era 27 de fevereiro, o vídeo estava explodindo nas redes, e todos o divulgaram, inclusive eu. Certo ou errado? Provavelmente errado”, afirmou à TV RAI no final de março.
“Ninguém ainda havia entendido a virulência do vírus, e aquele era o espírito. Trabalho sete dias por semana para fazer minha parte, e aceito as críticas”, completou.
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