Alagoas
Gaesf e Gaeco denunciam Orcrim por crimes de corrupção e peculato; uma das integrantes era assessora do Judiciário
O Ministério Público Estadual de Alagoas (MPAL) denunciou, recentemente, seis pessoas, inclusive, uma assessora do Poder Judiciário de Alagoas, pelos crimes de corrupção, peculato, organização criminosa, desvio de dinheiro público e superfaturamento orquestrado, à época dos fatos, no âmbito da 4ª Vara Cível de Arapiraca. Na ação penal, que já foi recebida pelo Juízo responsável, os promotores de justiça autores da investigação querem que todos os acusados sejam condenados e tenham seus bens bloqueados para que possa haver o ressarcimento do prejuízo causado aos cofres públicos.
A denúncia se baseou nos autos de Procedimento de Investigação Criminal (PIC) nº 08.2019.00062630-2, do Grupo de Atuação Especial em Sonegação Fiscal e Lavagem de Bens (GAESF), que foi instaurado após informações trazidas por dois empresários que já estavam sendo investigados pelo Gaesf, quando da deflagração da operação Barnum. Ela foi assinada pelos promotores de justiça Cyro Eduardo Blatter Moreira – coordenador do Gaesf, Kleber Valadares Coelho Júnior e Guilherme Diamantaras de Figueiredo, também integrantes do mesmo Grupo, pelos promotores do Gaeco Eloá de Carvalho Melo, Hamilton Carneiro Júnior e Carlos Davi Lopes Correia Lima e pela promotora Tânia Cristina Giacomosi Cerqueira, titular da 11ª Promotoria de Arapiraca.
Todo o esquema descoberto pelo Ministério Público tinha envolvimento da funcionária Juliana Mércia Lopes Donato, atualmente afastada cautelarmente do cargo por decisão da 17ª Vara Crimina da Capital. Na ocasião dos fatos, ela estava lotada na 4ª Vara Cível de Arapiraca. E, para comprovar tal acusação, os empresários que aceitaram fazer um acordo de colaboração premiada trouxeram ao MPAL documentos diversos e uma gravação ambiental em vídeo realizada com a denunciada Juliana e outra mulher, Ivanise Rodrigues da Silva Félix, que se tornou sua comparsa na prática criminosa.
São alvos da ação, além de Juliana e Ivanise – que é funcionária de um hospital de Arapiraca, Josimar Campos de Araújo e Clebito do Nascimento, sócios da empresa KM Distribuidora e JC Campos, e os dois outros empresários colaboradores. Os seus nomes estão sob sigilo porque eles aceitaram fazer a colaboração premiada.
Como funcionava o esquema
A fraude investigada pelo Gaesf e pelo Gaeco constatou que o esquema girava em torno do superfaturamento de medicamentos e pagamento de propina, o que configurou o crime de peculato-desvio entre os anos de 2016 e 2017, e corrupção no período compreendido entre 2018 2019.
E a prática criminosa começou no ano de 2015, quando foi expedida a Portaria Judicial nº 02/15, de questionável legalidade, a qual previa a realização, no âmbito da 4ª Vara Cível de Arapiraca, de procedimento simplificado para aquisição de medicamentos em favor de autores de ações de saúde. A princípio, tal portaria foi baseada na suposta necessidade de tornar mais célere a compra de remédios para o posterior repasse aos mencionados pacientes que acionavam a justiça para garantir seus tratamentos. Ocorreu, porém, de acordo com os autores da ação, que a simplificação desse procedimento “foi utilizada pelos denunciados para favorecer esquemas ilícitos diversos e, mormente, a prática de superfaturamento dos preços de medicamentos à ocorrência de peculato-desvio”.
“O primeiro esquema foi operado entre os anos de 2017 e 2018, englobando a assessora judiciária Juliana, os empresários Josimar e Clebito, (por meio da empresa Km Distribuidora e JC Campos); enquanto o segundo esquema foi engendrado entre os anos de 2018 e 2019 – como desdobramento daquele – abrangendo novamente a assessora Juliana, a funcionária do hospital Ivanise e os empresários colaboradores (nomes em sigilo). Ante a esse fato, a denunciada Juliana, como assessora responsável pelo cadastro de fornecedores da Vara e pelo bloqueio das contas do Estado, e também pelo contato direto com os mencionados fornecedores, foi ouvida na sede do Nudepat (Núcleo de Defesa do Patrimônio Público), ocasião em que admitiu a ocorrência dos valores superfaturados”, diz um trecho da petição.
“A KM Distribuidora e a JC Campos forneceram medicamentos para a mencionada Vara com preços muito superiores a tabela oficial e aos de mercado, gerando, por conseguinte, desvio de patrimônio público. Isso ocasionou dilapidação do erário e, ainda, prejuízo à saúde pública, haja vista ter sido comprometido o fornecimento de medicamentos a outros pacientes. E, com esse ‘modus operandi’, os empresários em questão, utilizando-se do consentimento e das operações de bloqueio e liberação de recursos efetivadas por Juliana, desviaram a quantia de R$ 4.620.202,12 (quatro milhões seiscentos e vinte mil duzentos e dois reais e doze centavos), impedindo que tal montante alcançasse efetivamente pacientes em condição de saúde periclitante”, revelaram os promotores de justiça, ao se referirem ao esquema ocorrido entre 2017 e 2018.
Ainda segundo o Gaesf e o Gaeco, os valores superfaturados “eram, inevitavelmente, desviados em proveito dos integrantes da organização criminosa em apreço, ou, ainda, convertidos em propina pagas aos funcionários públicos que facilitavam as operações. De qualquer maneira, vantagens ilícitas eram auferidas em detrimento dos interesses da população administrada, resultando, muitas vezes, em uma prestação social deficitária por parte do Estado”, apontaram os grupos.
A mudança de empresa para continuação das fraudes
A KM Distribuidora e a JC Campos deixaram o esquema após a deflagração da operação Sepse, realizada pelo Gaeco em 2017, que desbaratou esquemas de corrupção em diversas prefeituras do estado de Alagoas, notadamente do sertão e do agreste. Foi nessa ocasião que o Ministério Público descobriu que as duas empresas possuíam “conluios ilícitos com gestores e ex-gestores de mais de 70 municípios alagoanos, por meio dos quais efetivavam repasse de propinas e, ao mesmo tempo, locupletavam-se ilicitamente”, usando notas fiscais falsas.
Em razão da repercussão da operação, a KM Distribuidora e a JC Campos não puderam mais continuar fornecendo os medicamentos à 4ª Vara Cível de Arapiraca e, a partir daí, Juliana usou a colega Ivanise para conseguir novo fornecedor que aceitasse permanecer fazendo as mesmas fraudes. Foi quando surgiu a empresa dos colaboradores, que praticou a corrupção em 2018 e 2019. “Ivanise, intermediou, em dezembro de 2017, a realização de encontro entre o empresário (nome em sigilo) e Juliana. Na ocasião, foi ajustado que a empresa dele cadastrar-se-ia na vara, a fim de concorrer nos certames fraudulentos lá realizados para fornecimento de medicamentos. Porém, para que essa empresa se sagrasse vitoriosa, o empresário (nome em sigilo) deveria repassar à Juliana parte dos valores das notas fiscais correspondentes aos medicamentos entregues. Vale salientar que, para conseguir fazer esse fornecimento à vara, englobando na venda o seu lucro, o custo do produto e a propina a serem entregues à assessora judiciária, os sócios da empresa adquiriam produtos de origem duvidosa, sem a devida observância de transporte e acondicionamento para fármacos”, acusa o MPAL.
Tal esquema só foi descoberto porque, ao ser deflagrada a operação Barnum, que desmontou uma organização criminosa que emitia notas fiscais graciosas em prejuízo de clínicas de oncologia e factoring’s, os donos da empresa aceitaram denunciar todas as fraudes das quais participavam.
Os pedidos do MPAL
Com base em tudo o que foi detalhado na denúncia, o Ministério Público requereu ao Poder Judiciário, o que já foi concedido, o afastamento da servidora Juliana, de maneira cautelar, de “quaisquer funções públicas, haja vista o risco de que ela se utilize dessas para desvio de verbas públicas, locupletamento ilícito, prática de corrupção, dentre outras condutas possíveis, o que já se encontra dentro do leque de ações por ela perpetradas entre os anos de 2016 e 2019, na condição de assessora judiciária na 4ª Vara Cível de Arapiraca, mantendo conluio delituoso entre empresários afetos ao crime, empresários estes envolvidos em licitações fraudulentas vulnerando prefeituras e emissões de notas fiscais em prejuízos de empresas privadas”.
Também foi pedido ao Juízo que proíba todos os denunciados de se ausentarem da comarca, por mais de oito dias, sem autorização prévia da justiça, além do sequestro dos bens imóveis e móveis deles, devendo, assim, a relação desses bens ser incluída no Cadastro Nacional de Indisponibilidade de Bens, com a finalidade de ressarcir ao erário os valores desviados criminosa e indevidamente.
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