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Carnaval e Cidadania

19/02/2020
Carnaval e Cidadania
O Carnaval, como expressão de cidadania e como uma das formas de “ser pessoa”, é o tema desta página.
 
Na presença entusiasmada da gente mais simples do povo, em escolas de samba e blocos de Carnaval, vejo, dentre outros aspectos, a profunda busca de identidade, tão forte na alma humana.
Quem pertence a uma escola de samba tem endereço, raiz, deixa de ser alguém sem lenço e sem documento. 
Vibro com as escolas sim, mas vibro ainda mais com o rosto feliz dos sambistas. 
Esses rostos me enternecem.
A sede humana de identidade e reconhecimento me relembra antigas andanças pelo interior do Estado, como Juiz de Direito. 
Surpreendi centenas de casos de pessoas sem registro civil.
Numa situação de completa marginalização econômica e social – inacreditável para quem não foi testemunha – brasileiros, irmãos nossos, nem nome civil possuíam. 
O primeiro “movimento pela cidadania ampla”, que tive a honra de inspirar, como juiz, ocorreu, a partir de 1967, em São José do Calçado.
A comunidade e o Juiz de Direito – juntos promovemos milhares de registros civis, correção de prenomes grafados erroneamente, emissão de carteira de trabalho em favor de pessoas que trabalhavam sem carteira etc.
Houve uma intensa participação de estudantes no “movimento pela cidadania ampla”.  Foi um período de profícua vida cidadã dentro dos muros da pequenina, mas pujante comunidade interiorana, contrastando com uma época de obscurecimento da cidadania na vida nacional.
Encontrar a possibilidade de “ser pessoa” numa escola de samba, tornar-se juridicamente “pessoa” pelo registro civil – leva-me a uma outra reflexão, qual seja, a busca de “ser pessoa”, de ser feliz, nas praias apinhadas de gente, no balanço das ondas, no burburinho das vozes, no murmúrio do mar.
“Ser pessoa”, neste caso, é soltar-se, relaxar, aliviar tensões.
Todos os entraves que obstaculem a vivência dessa dimensão do “ser pessoa”, como privatizar praias, merecem nosso repúdio.
A praia ainda é um dos poucos bens acessíveis a todos sem exceção.
A sociedade civil deve resistir à privatização das praias, através de pressão política e também por meio da “ação popular”.
Bela saga do povo brasileiro, nesta luta para “ser pessoa”: o sambista, que se torna pessoa sambando; a comunidade que “faz pessoas” através de uma chamada geral para a cidadania num momento de escuridão (“Faz escuro, mas eu canto”); o povo que trabalha e que sua, que tenta na praia “ser pessoa”, que divisa com esperança o horizonte infinito, esse horizonte que não tem dono – a todos pertence.