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Combate às desigualdades e corte dos Gastos Públicos
Rogelio López Guillemain (Tribuna de Periodistas 26/11/19) enfrentou o tema (desigualdades e corte de gastos públicos) da seguinte maneira: (i) as reações populares no Chile, Equador e Colômbia, dentre outros, decorre de medidas corretivas do governo que afetam a população mais pobre; (ii) o Estado não pode ter déficit público (não pode se endividar irresponsavelmente); (iii) quando há déficit, ou se reduzem os gastos ou se incrementa a receita (mais impostos, endividamento ou gerando inflação); (iv) para os pobres é melhor a redução dos gastos (“seria menos prejudicial!”); (v) somente não enxerga isso os jovens “socialistas” irresponsáveis, que exigem mais “obrigações” do Estado (ou dos populistas) que prejudicam o futuro da nação.
Visão parcial enviesada, porque não enfoca uma questão crucial: os Estados (de esquerda ou de direita) gastam muito com “coisas desnecessárias” (concordo), mas a maior parte da fortuna que ele distribui (ou não arrecada) beneficia os mais ricos, não os mais pobres (ver relatório do Banco Mundial de 2017 que aponta o seguinte: os domicílios de alta renda, em detrimento dos de baixa ou média renda, que representam em vários países um quinto da população, recebem 43% dos benefícios sociais).
Aos ricaços tudo é dado, do pobre tudo é tirado! (São Mateus). Ficamos indignados quando nos deparamos com algo desumanamente desigual! É contra isso que lutamos. Não importa se você é de direita ou de esquerda, você está pagando a conta ou sofrendo os efeitos nefastos das desigualdades e iniquidades vigentes no país.
O pensamento neoliberal simplista e cruel (“que se danem os que dependem de gastos públicos”), que modelou o ultrapassado capitalismo 3.0 (que devastou seriamente o capitalismo distributivo 2.0 do bem-estar social), tornou-se uma monstruosidade nas sociedades complexas do século XXI.
Não há dúvida que o combate às desigualdades objeto da nossa luta (porque isso significa melhoria na qualidade de vida de milhões de pessoas, favorecendo a retomada do crescimento econômico) não pode levar o Estado a endividamentos irresponsáveis. Tampouco nos parece correto já partir para a tese do aumento indiscriminado de impostos. Calma! Há muitos ajustes a serem feitos antes disso.
Em primeiro lugar, para que serve o Estado? Por força da Quinta Revolução do Estado que defendemos (Estado 5.0), ele serve para proporcionar educação, saúde, segurança e supervisão da economia de mercado (porque é preciso “refrear as paixões humanas”). As três primeiras são funções estatais que nenhum mercado está disposto a realizar.
O Estado gasta bilhões em coisas desnecessárias, em favores políticos ou a partidos políticos (gastos exagerados com propaganda eleitoral, por exemplo), paga funcionários em excesso (muitas vezes). Essa verdade repugnante é maior ou menor conforme a realidade de cada país. Mas essa informação fica pela metade quando não se diz o quanto o Estado gasta em favor dos agentes econômicos e financeiros influentes, pertencentes à plutocracia saqueadora, com isenções fiscais, renúncias, subsídios, empréstimos favorecidos, parcelamento contínuo de dívidas, perdão de dívidas, leniência com a sonegação e evasão fiscais (inclusive para paraísos fiscais) etc.
“Los adoctrinados en las ideas del socialismo o progresismo” (diz o articulista citado) não veem que não podemos incrementar os gastos sem a receita respectiva. Há muito equívoco nessa visão do capitalismo neoliberal 3.0 (que precisa ser substituído por um novo capitalismo, 4.0, justo). Os jovens estão vendo tudo! Nós estamos com eles nessa luta!
Para dar mais sentido ao que estamos fazendo cabe mostrar para todos onde o Estado está gastando seu orçamento: 4% do PIB brasileiro está sendo consumido em renúncias fiscais destinadas normalmente a “amigos” que financiaram campanhas eleitorais (v. Bruno Carazza, Dinheiro, eleições e poder). Quase 5% do PIB destinam-se ao pagamento dos juros. Os benefícios tributários dos ricaços são comparativamente estapafúrdios (segundo a Oxfam, no Brasil e no Reino Unido, por exemplo, os 10% mais pobres pagam atualmente uma proporção maior de sua renda em impostos que os 10% mais ricos).
Estamos sabendo dos limites dos gastos públicos, mas ao mesmo tempo todos estamos vendo para onde os gastos mais robustos estão indo. As desigualdades são evidentes! (nem é preciso desenhar). Daí nasce a indignação e, eventualmente, os protestos. Não é preciso ser um “esquerdista” ou um “direitista cristão” para perceber que há espaço para a adoção de políticas públicas de combate às desigualdades, sem violentar a lei de responsabilidade fiscal.
Os ricaços (plutocratas) levam quase tudo (é isso que os jovens de esquerda ou de direita estão percebendo!). Alguns, indignados, chegam a extremos com frases perigosas como “eat the rich” – devorem os ricos! Eu não concordo com isso, porque nossa luta é por uma revolução sem violência. De qualquer forma, todo mundo está percebendo bem quem são os “exploradores da nação”: os plutocratas (0,01%) estão canalizando toda riqueza do país para eles, deixando na desgraça das desigualdades o restante (99,99%).
As indústrias estão fechando, o comércio está falindo, o agronegócio está perdendo força, o funcionalismo e o sindicalismo estão sendo liquidados, o trabalho está sendo precarizado, os desempregados estão desesperados, a informalidade explodiu, os estudantes não estão aprendendo, os professores são maltratados e por aí vai. A devastação gerada pelo capitalismo 3.0 radical (neoliberal) é geral e mundial. É por isso que lutamos por um novo capitalismo (4.0), que nos garanta o equilíbrio entre o crescimento econômico e a justiça social.
“El no tener en cuenta los efectos a futuro de nuestros actos y sólo pensar en satisfacer el hoy sin considerar las secuelas del mañana, es propio de un niño, de un ignorante, de un caprichoso, de un necio o de un idiota (…) la economía sigue leyes tal como las sigue la física” (Rogelio López Guillemain (Tribuna de Periodistas 26/11/19). Bonito o discurso, embora muito questionável. Se a economia fosse uma ciência exata o capitalismo não teria tantas crises. Seria mais adequado, de outro lado, se o discurso fosse dirigido aos plutocratas que estão saqueando o país (quem não enxerga que a concentração de riqueza brutal hoje vai gerar sequelas amanhã?).
Editorial do O Globo (13/10/19) sublinhou o quanto o Estado concentra a renda no Brasil: (i) na previdência o benefício máximo para trabalhadores do setor privado é de $ 5.839 reais, contra dez ou vinte mil no serviço público; (ii) muita gente graúda (plutocratas) “enriqueceu no Brasil pela via da captura do Estado” (Armínio Fraga); (iii) as transferências do Estado (sequestrado pelos ricaços plutocratas) beneficiam os mais ricos (daí a difícil queda dos nossos índices de desigualdades medidos pelo de Gini); (iv) o Brasil é o país democrático com maior concentração de renda no mundo (leia-se: rendas nas mãos do 1% privilegiado – ver Relatório da Desigualdade Global da Escola de Economia de Paris, Folha 19/8/19); (v) o sequestro do Brasil pela plutocracia fez dele um “Robim Hood às avessas” (tira dos pobres para dar para os ricos). É evidente que estamos todos indignados!
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