Variedades

‘O dinheiro está na TV’, diz Hal Hartley

28/05/2018

Ícone da liberdade criativa do cinema independente dos anos 1990, quando conquistou críticos, curadores e o público cinéfilo com experimentos autorais como Confiança (1990) e Amateur (1994), o nova-iorquino Hal Hartley foi mordido pelo bicho da televisão: dirigiu a série “Red Oaks” para o Amazon Studios e hoje desenvolve uma série de projetos de teledramaturgia. Mas parte do legado cinematográfico dele está sendo revisitado neste momento, a partir de um regresso de seu personagem mais famoso, Henry Fool, vivido pelo ator Thomas Jay Ryan em três longas-metragens rodados entre 1997 e 2015.

A trinca formada por “As Confissões de Henry Fool” (Prêmio de Melhor Roteiro em Cannes, há 21 anos), “Fay Grim” (prêmio de júri popular no RiverRun Festival, na Carolina do Norte) e “Ned Rifle” (Prêmio do Júri Ecumênico no Festival de Berlim, há três anos) foi reunida num pacote de DVDs à venda pela Amazon e pelo site do cineasta (halhartley.com). O box é mais do que uma repaginação (em novas edições digitais) desses filmes: é um mergulho na tradição da estética indie dos EUA.
Na entrevista a seguir, o diretor, hoje com 50 anos, fala ao jornal O Estado de S. Paulo, por e-mail, sobre seu reencontro com Fool e sobre o que sobrou do conceito de “alternativo” que movia sua filmografia no início da carreira.

Quem é Henry Fool e o que ele representa sobre o homem americano, dos anos 1990 aos 2010?

Eu costumava idealizar Henry como uma espécie de diabinho que não é muito bom na arte de ser mau, por se levar a sério demais e se deixar distrair por seus projetos pessoais. Pensava assim nos anos 1990 e segui nessa direção quando saiu Fay Grim, em 2006. Mas quando eu escrevi Ned Rifle, que saiu em 2015, eu passei a encará-lo com um homem comum forçado a confrontar seu próprio crime.

De que forma a trilogia Henry Fool sintetiza o seu cinema?

Meu universo de pessoas é a baixa classe média dos EUA. Essas pessoas estão nesses três filmes, mas eu usei os mesmos personagens em situações muito diferentes ao longo desses 20 anos e, de certa forma, questões relativas a três décadas distintas da América estão refletidas no que eles são. Aquelas pessoas, Henry, Fay, elas seguem sendo as mesmas, mas o mundo em torno delas mudou. E o que mais importa para mim no cinema é deixar que os filmes possam refletir tempo, espaço, sensibilidades, modismos, visões políticas.

Na genealogia do audiovisual, a sua obra costuma ser relacionada a uma geração, a dos anos 1990, que construiu o conceito de cinema independente, incluindo aí Quentin Tarantino, Paul Thomas Anderson, Todd Haynes. O que significa ser independente (ou indie) nos dias de hoje?

Quem inventou essa coisa de indie, esse modo alternativo de filmar e lançar filmes, não fomos nós, foi John Cassavetes, diretor de Sombras e Faces, ainda no fim dos anos 1950. A gente, na década de 1990, foi agraciado por uma mobilização atípica de distribuidores e exibidores que chamavam a gente de independente para nos dar algum apelo de mercado. Hoje, o que mudou foi o fato de termos mais filmes sendo feitos. Porém menos filmes sendo distribuídos, pelo menos não pelos caminhos convencionais, ou seja, a sala de exibição. As pessoas hoje consomem o entretenimento pelo celular. E, agora, o documentário é um formato muito mais popular do que era nos anos 1990.

O senhor fez TV recentemente, a partir da série ‘Red Oaks’. O que existe de fascinante no ambiente da teledramaturgia?

O dinheiro está lá, na TV, assim como o desejo de se apostar em tramas diferenciadas, mais inventivas. No cinema, hoje, existe o dilema do escoamento: com o avanço dos meios digitais, o barateamento das câmeras e o surgimento das tecnologias portáteis de celular todo mundo filma, mas poucos exibem em tela grande. Na TV, existe uma janela certa.

O que significa a expressão cinema de autor dos Estados Unidos de hoje?

Talvez esse conceito signifique prestar atenção à brechas, ou seja, encontrar o lugar certo para levantar inquietações particulares respeitando o contexto industrial. Entre os autores que mais marcaram a minha forma de amar o cinema, eu destacaria Howard Hawks e John Ford, cineastas que construíram sua obra integral em ambiente industrial. Existe uma poesia singular no olhar deles. E essa poesia se dá em meio a uma cartilha comercial, de cinema-espetáculo.

Lançada a trilogia Henry Fool, qual é o seu próximo passo?

Desenvolvi recentemente alguns projetos de seriados de TV e escrevi muitos roteiros desses projetos. Estou na expectativa de que algum deles seja produzido este ano, ou em 2019. Também tenho alguns roteiros de longa-metragem, sem planos de produção. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Autor: Rodrigo Fonseca
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