Variedades
A arte como ferramenta de transformação
Ao longo dos próximos dias, cerca de 1.700 crianças vão se dividir por treze cidades baianas em apresentações musicais, culminando no dia 1º de abril com um concerto especial no Teatro Castro Alves, em Salvador. Elas fazem parte do Neojiba (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantias da Bahia), uma das muitas iniciativas mundo afora inspiradas pelo projeto de educação musical venezuelano batizado de El Sistema – e testemunhas do impacto que o trabalho de seu criador José Antonio Abreu, a quem as apresentações serão dedicadas, teve sobre o mundo musical nos últimos anos.
Abreu morreu no último sábado, dia 24, aos 79 anos. Economista, maestro e compositor, deixa como principal legado sua atividade como educador, iniciada nos anos 1970, quando reuniu em uma garagem nos arredores de Caracas doze jovens a quem ofereceu aulas de música. A arte, acreditava, poderia ser uma ferramenta de inclusão social. E, a partir desse conceito, o projeto ampliou-se: no início do mês, o Sistema chegou à marca de 900 mil integrantes, espalhados por mais de 1.500 orquestras e coros em toda a Venezuela, orientados por 12 mil professores.
Pelo tamanho, e pela proposta da atividade orquestral como capaz de lidar com questões como autoestima, diálogo e trabalho em grupo, sendo assim o microcosmos de uma sociedade mais inclusiva e justa, o Sistema transformou-se em referência em todo mundo. Atraiu à Venezuela músicos como Yo-Yo Ma, Simon Ratlle e Claudio Abbado. Exportou talentos. E o mais badalado deles, o maestro Gustavo Dudamel, encarnaria tanto a excelência artística do trabalho na Venezuela como se tornaria símbolo, ao ser convidado para liderar as principais orquestras do mundo, da necessidade de renovação no cenário erudito internacional.
O Sistema trabalha em rede e nele cada aluno é um professor em potencial, multiplicando a presença e os efeitos do projeto. Hoje, há projetos que adotam essa metodologia em mais de 60 países.
Política
Em 2014, no entanto, o musicólogo britânico Geoffrey Baker publicou um livro no qual referia-se a Abreu como “um autocrata tão amado como temido” e acusava as engrenagens do Sistema de favorecer a corrupção e a injustiça. No mesmo ano, Abreu e Dudamel receberam críticas por ignorarem as manifestações contra o governo de Nicolás Maduro, aparecendo ao seu lado em uma cerimônia de lançamento do projeto de construção de uma nova sala de concertos.
A resistência do Sistema em dialogar com a situação atual do país talvez seja mesmo a nuvem mais escura a pairar sobre o projeto. Mas condicionar a importância do trabalho a esse aspecto soa como uma posição extremada – assim como, de outro lado, defender a ideia de que arte e política jamais devam se misturar. No fundo, faltam nuances a essa discussão, na qual é preciso lembrar também que pensar a arte como elemento de inclusão social não deixa de ser uma forma contundente de afirmação política. Abreu acreditava nisso. E talvez seja esse o seu principal legado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Autor: João Luiz Sampaio, especial para AE
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