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Primariedade criminal
A sentença criminal condenatória, transitada em julgado, retira do indivíduo a condição de primário.
Decorridos dois anos do dia em que for extinta a pena ou terminar sua execução, o condenado pode obter a reabilitação.
Entretanto, mesmo assim, o estigma do processo criminal é extremamente cruel.
A primariedade não está, em algumas hipóteses, disciplinada sabiamente.
A lei omitiu um tratamento diferenciado aos criminosos absolutamente ocasionais.
Coloquemos um caso que facilite o raciocínio
Chefe de família, cidadão trabalhador e conceituado, não obstante a modéstia de sua profissão, é condenado pelo Tribunal do Júri na rubrica do homicídio privilegiado.
Havia praticado o crime impelido por motivo de relevante valor moral.
Depois de cumprir uma parte da pena, primário que era, mereceu o livramento condicional.
Livre da prisão, queria recomeçar sua vida em outro Estado.
Compareceu à presença do magistrado e colocou um problema para cujo encaminhamento pedia conselho e ajuda:
“O que vou fazer de minha vida, juiz? Embora eu seja um profissional competente, como poderei arranjar emprego se minha folha corrida vai registrar que eu matei meu semelhante?”
Ao despachar o pedido, o juiz invocou Santo Tomás de Aquino que, à luz da Filosofia, estabelece uma distinção entre a verdade substancial e a verdade formal.
A verdade formal é aquela que decorre da aparência das coisas. A verdade substancial é aquela que expressa a natureza profunda do ser das coisas.
A partir da concepção de Santo Tomás de Aquino, o magistrado concluiu que a verdade formal apontaria o réu como criminoso, carente de primariedade, com folha corrida manchada.
Sob o prisma da verdade substancial, o réu, que já cumprira o tempo de prisão necessário para alcançar o livramento condicional, não devia receber o carimbo de “criminoso”.
O crime que cometera, pelo qual já pagara, não devia ser para ele “a marca de Caim” a impossibilitar inteiramente sua volta à sociedade.
Respaldado na lição de Tomás de Aquino, o juiz determinou que se expedisse em favor do ex-preso um atestado de bons antecedentes.
O réu conseguiu emprego no Rio de Janeiro. Encontrando-se casualmente com o velho juiz, já agora aposentado, convidou-o para almoçar em sua casa.
O magistrado aceitou o convite e testemunhou a vida digna do ex-preso junto à esposa e filhos.
Agiu certo ou agiu errado o juiz? Assinou um atestado falso?
Fica a pergunta para o leitor pensar e responder.
Não conclua o leitor, confiando na sua intuição, que o juiz da história é o autor deste texto.
Pode ser e pode não ser.
* João Baptista Herkenhoff, 81 anos, magistrado aposentado, palestrante, escritor. Autor de: Escritos de um jurista marginal (Livravia do Advogado, Porto Alegre) e outros livros.
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