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Pelo fim da autorização da Câmara para processar o presidente

25/10/2017
Pelo fim da autorização da Câmara para processar o presidente

A exigência de autorização política (da Câmara dos Deputados) para processar criminalmente o Presidente da República, constitui um grande equívoco da constituinte de 1988, que precisa ser corrigido urgentemente.

Incontáveis dispositivos constitucionais, redigidos em outro momento histórico (no princípio da redemocratização), particularmente os que cuidam de blindagens penais para autoridades, estão sendo salutarmente eliminados ou reinterpretados pelo STF, sob o argumento (desenvolvido, sobretudo, pelo ministro Roberto Barroso) de ter ocorrido uma “mutação constitucional”, decorrente tanto “da alteração na concepção do direito” como das “modificações incontornáveis na realidade fática”.

Disso constitui exemplo a decisão do STF (maio de 2017) que colocou fim à exigência de licença das Assembleias Legislativas para se abrir processo criminal, no Superior Tribunal de Justiça, contra governadores (ADIs 5540, 4798, 4764 e 4797).

Essa autorização legislativa prévia, como sublinharam vários magistrados do STF, propiciam conluios entre o Executivo e o Legislativo e, em regra, a consequente impunidade. Foi enfatizado ainda que o Legislativo nem sempre resiste aos favores do Executivo (oferta de cargos, liberação de verbas públicas e outras facilidades decorrentes da concentração do poder).

Recorde-se que com a Emenda Constitucional 35, de 2001, foi eliminada a necessidade de licença prévia do Parlamento para o início de processo criminal contra parlamentar. Como já caiu a autorização prévia para processar governadores e parlamentares, a próxima imunidade a ser modificada diz respeito ao presidente.

Nos crimes de responsabilidade previstos na Lei 1.079/50, tal licença se justifica porque o “impeachment” (destituição do presidente do cargo) é um instituto jurídico e político ao mesmo tempo. Sobressai, aliás, seu lado político (daí a pertinência de licença da Câmara).

Nos crimes comuns cometidos durante e no exercício da função (corrupção, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça, crime organizado, prevaricação etc.) devem preponderar, dentre outros, os princípios da responsabilidade republicana, da separação dos poderes, do acesso ao Judiciário, da igualdade perante a lei, da moralidade, da probidade, da impessoalidade, da prestação de contas (accountability), da vedação da proteção insuficiente, da tecnicidade, da processualidade, da certeza do castigo e do juízo razoável do juiz sobre a admissibilidade da denúncia.

Nos crimes comuns não há espaço para juízos políticos sobre a conveniência e a oportunidade de instauração de uma ação penal. Receber ou não uma denúncia por crime comum é uma questão puramente técnica e processual, que é atribuição exclusiva do Judiciário, não do Legislativo.

Não compete ao Legislativo decidir sobre a existência de provas mínimas para o início de um processo criminal. Isso constitui um desvio da sua função. Compete exclusivamente ao STF decidir se recebe ou não a denúncia do Ministério Público.

Depois de recebida a denúncia, o afastamento ou não do Presidente das suas funções poderia ficar a cargo do Congresso Nacional (ou apenas da Câmara dos Deputados). Não deveria ser automático, como hoje prevê o texto da Constituição.

É preciso separar bem as coisas: o recebimento de uma denúncia é função judicial. O eventual afastamento do Presidente das suas funções é função política.

Hoje o primeiro ato depende equivocadamente de um juízo político e o afastamento deriva da decisão do STF que recebe a denúncia. As duas coisas estão erradas. Temos que corrigir isso o mais pronto possível, via Emenda Constitucional.