Política
Sarney 2.0? Com absolvição, Temer pode virar líder ”fraco porém resistente”
A absolvição no Tribunal Superior Eleitoral traz um alívio jurídico ao governo, mas talvez não político: para analistas ouvidos pela BBC Brasil, o presidente Michel Temer sai enfraquecido do processo, ainda sob o desgaste da delação da JBS e da investigação em curso pela Procuradoria-Geral da República.
A situação tem levado alguns comentaristas políticos a fazerem uma comparação com o governo de José Sarney (1985-90), que assumiu sem a força do voto direto (era vice de Tancredo Neves, presidente eleito que morreu antes de ser empossado) e que terminou com alta rejeição popular, sem ter conseguido levar a cabo uma agenda ampla.
“Pode virar um governo fraco, ainda que resistente até o fim do mandato (em 2018)”, opina à BBC Brasil o cientista político Claudio Couto, da FGV-SP.
“Parece evidente que o governo sai enfraquecido e o desgaste seguirá, com o PSDB calculando (se decidirá ou não) pelo afastamento da base aliada”, agrega Fabio Wanderley Reis, cientista político da UFMG.
Ante seu enfraquecimento, duas tarefas se tornam mais difíceis para o governo: manter o apoio dentro do Congresso e conseguir avançar nas reformas previdenciária e trabalhista.
“A vitória no TSE foi significativa, mas o governo ainda está distante da situação razoavelmente normalizada que vivia antes da delação da JBS”, explica o analista Rafael Cortez, da consultoria Tendências.
‘Sarneyzação’?
Para Claudio Couto, o atual cenário traz ao governo o risco – ainda que não a certeza – de assemelhar-se ao de Sarney.
“Sarney era fraco do ponto de vista de capacidade de iniciativa e bastante impopular. Ele conseguiu a aprovação do mandato de cinco anos e se manteve no cargo (até o fim do mandato), mas sem levar nada adiante”, explica o professor da FGV-SP.
“A briga do governo Temer, agora, será agora para evitar a ‘sarneyzação’. É um risco considerável que o governo corre, mas que pode ser evitado porque existe uma pressão externa por reforma.”
Ele se refere ao apoio de partes do mercado financeiro e do setor produtivo às reformas previdenciária e trabalhista, que tramitam no Congresso, ainda que com alterações em relação a sua forma original.
“Em certa medida, o mercado opera como grande avalista do governo, porque quer que agenda de reformas avance apesar de Temer”, prossegue Couto. “E parte (da base política) que sustenta o governo tem interesse que as reformas sejam aprovadas agora, para serem um ônus a menos para o futuro governo (que assumir depois do pleito de 2018).”
Rafael Cortez, por sua vez, acha que diferenças entre o governo Sarney e o atual impedem o uso do termo “sarneyzação”.
“Acho que todo governo tem seu momento de ‘sarneyzação’, ou seja, de não conseguir passar reformas. E a diferença é que a crise (de Temer) é desencadeada sobretudo por fatores políticos, enquanto a de Sarney era mais econômica (decorrente do fracasso do Plano Cruzado em controlar a inflação).”
O que pode ser semelhante, na opinião dele, é a transição de poder em 2018 em relação a 1990. “Um governo mal avaliado tende a levar o eleitor a buscar alternativas distantes do governismo.”
Fator PGR
Outra preocupação, do ponto de vista do governo, é que a impopularidade de alguns pontos das reformas – como a mudança da idade da aposentadoria, por exemplo – reduza o apoio de parlamentares (de olho na reeleição em 2018) e seu poder de barganha com eles.
“Quanto mais fraco um governo, mais ele tem que ceder (nas negociações com o Congresso)”, explica Couto. “Nesse ponto, o risco é aprovar uma reforma tão descaracterizada que perca o sentido.”
E, para completar o cenário, existe o risco de a situação jurídica de Temer voltar a se complicar, caso surjam eventuais novas acusações por parte da PGR – ou caso se confirme a expectativa de que o inquérito contra o presidente se converterá em uma denúncia.
“E independentemente da denúncia na PGR, (as acusações) já têm um efeito político muito grande para um governo que tenta passar reformas tão complexas como a da Previdência”, conclui Cortez.
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