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No fundo do mar

19/02/2017
No fundo do mar

Rosana estudou em colégio de freira, foi carola de igreja na juventude, quase santa em sua maturidade. Usava vestidos de mangas cumpridas, xales nos ombros, encobria o jovem corpo, ninguém sabia o que havia por baixo daqueles panos. Sua mãe, viúva, lhe alertava, mulher depois dos 25 anos fica difícil arranjar marido, está na hora de namorar para casar, tente conseguir alguém que possa lhe sustentar.

Por meio de um deputado amigo, e amante, a mãe arranjou-lhe um emprego na Secretaria de Finanças. Nessa época Rosana conheceu, namorou, Jorginho, baixo, falante, advogado de uma empresa. Sem muito amor, depois de dois anos entre namoro e noivado casaram-se na Igreja dos Martírios, muitos parentes, amigos, lua-de-mel em Salvador. Rosana casou-se virgem, assim conservou-se durante o noivado graças ao respeito do noivo, se fosse da laia de certos indivíduos, aquele cabaço havia voado há muito tempo.

Jorginho ficou surpreso com o desempenho de Rosana na cama, fogosa que nem uma égua no cio, montou e se fez montada, ele voltou da lua-de-mel exausto. Ao retornar à vida normal ficou preocupado com sua ardente mulher, daria conta? Entretanto, Rosana continuou em vestidos longos, cinzentos, assexuados. Somente Jorginho no mundo conhecia verdadeiramente aquela loba cheia de furor na cama, na rua uma dama. Anos passaram, dois filhos crescidos, Rosana continuou do trabalho para missa, para casa.

Tinha um tratamento respeitoso ao marido, excelente dona de casa. Só não abria mão de seu banho de mar aos domingos na praia da Pajuçara, defronte ao apartamento. Jorginho não gostava de praia, ela ia com os filhos, depois sozinha. Sempre com um maiô discreto.

Em certo momento, as coisas foram mudando, Rosana tornou-se mais alegre, havia felicidade explícita em seu sorriso, chamava Jorginho de meu amor, coisa nunca vista nos 20 anos de casados, seus vestidos encurtaram, colaram nas curvas do corpo, na praia era um biquíni, Rosana tornou-se outra mulher. O marido ficou com pulga, carrapato, piolho e o cão atrás da orelha, nunca vira uma transformação tão radical em uma pessoa. Ele passava o dia a matutar.

O que estaria acontecendo? Será influência de alguma colega de repartição? Será que pirou? Deixou de acreditar nos santos? Está me galhando? Ao pensar nessa última pergunta, deu-lhe uma tristeza profunda, aquela depressão típica, exclusiva de corno. Não teve coragem de esclarecer tão delicado assunto com a esposa. Ficou sofrendo calado, sozinho, o pior sofrimento.

Certa manhã tomou decisão, foi ao centro da cidade, subiu no Edifício Breda, conversou com um detetive particular. Contou toda história a Audálio. Ele pediu-lhe uma foto da mulher e seu itinerário normal. Jorginho, contrariado, sentindo-se um traidor, deu-lhe as informações dos locais mais frequentados, inclusive o banho de mar aos domingos, um mergulho na praia da Pajuçara em frente ao seu edifício.

Audálio fez o trabalho, primeira semana sem algum fato concreto, nenhuma pista de traição. Continuou. Seguiu a mulher por toda cidade, nada de anormal, um mês, dois meses de investigação. Jorginho desistiu, era só uma transformação de mulher madura, medo de velhice prematura, como disse o psicólogo. Pagou a Audálio.

O detetive ficou frustrado, uma desmoralização, nunca havia desistido, perdido um caso. Audálio, sem cliente, por distração, continuou seguindo a mulher de Jorginho em todos os lugares, até que num belo domingo, percebeu Rosana entrar o mar, alugou uma bóia de um rapaz alto, espadaúdo, que a ajudava segurando a bóia, chegaram ao fundo até dar água no pescoço.

O detetive tirou várias fotos de Rosana apegada ao moreno. Por baixo da bóia, ninguém percebia, discretamente tirava o biquíni, entrava em erupção na água tépida da Pajuçara. Em casa, Audálio revelou as fotos, eram contundentes, amor no fundo do mar, sentiu-se triunfante. Pensou no marido, era apenas mais um corno no mundo, estava feliz, não valia a pena, deu-se por vitorioso, rasgou as fotografias.