Política
Os dossiês secretos de Cunha
Documentos apreendidos no escritório e na residência do ex-presidente da Câmara mostram que, num último esforço para se safar, Eduardo Cunha reuniu um robusto material para tentar constranger o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, manter sob seu raio de influência parlamentares do PMDB, achacar empresas e até inviabilizar a Lava Jato
Na última semana, foram reveladas mensagens extraídas do telefone celular do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), outrora um dos homens mais poderosos da República. Elas atestam, quase que de maneira cabal e irrefutável, sua atuação pela liberação de recursos da Caixa Econômica Federal para empresas que, em troca do serviço, lhe pagavam propina. As mensagens compõem apenas um naco do material apreendido pela Polícia Federal. Relatórios da Polícia Federal obtidos com exclusividade por ISTOÉ revelam que, nas buscas realizadas na residência e escritório do peemedebista, foram encontrados dossiês destinados a constranger autoridades do Judiciário, do Ministério Público Federal e até minar a Operação Lava Jato, da qual ele era alvo antes de cair em desgraça, perder o posto de presidente da Câmara e ser preso.
Os documentos secretos miravam preferencialmente o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e o juiz da 13ª Vara de Curitiba, Sérgio Moro. A papelada em poder de Cunha trazia informações estratégicas a respeito do Ministério Público Federal: gastos Do procurador-geral e equipe com diárias e passagens, e até relações de contratos firmados pela PGR na gestão de Janot. Entre eles, um aluguel de um imóvel no Lago Sul, área nobre de Brasília, por R$ 67 mil sem alvará, e a contratação de uma empresa de comunicação sem licitação. Parte desses ofícios teve origem no senador Fernando Collor (PTB-AL) e têm o timbre do seu gabinete. Collor também é acusado de receber propina na Lava Jato e fez fortes ofensivas contra Janot.
Operação catilinárias
O restante do material é ainda mais perturbador. Cunha possuía um roteiro de ataque contra a Lava Jato no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esse material foi encontrado pelos investigadores no quarto do casal Eduardo Cunha e Cláudia Cruz. Uma representação estava pronta para tentar derrubar as resoluções da Justiça Federal que deram ao juiz Sérgio Moro exclusividade para cuidar dos processos da Lava Jato -prerrogativa essencial para a agilidade e o êxito das investigações. O dossiê também mostra que Cunha monitorava os passos do doleiro Alberto Youssef. No material apreendido há um parecer jurídico do ex-ministro do STJ Gilson Dipp que defende a impossibilidade do acordo de delação do doleiro Alberto Youssef. O argumento é que, por ter rompido um acordo anterior, Youssef não poderia assinar uma nova delação. O assunto era de total interesse de Cunha: Youssef foi o primeiro a delatá-lo.
Uma lista de habeas corpus de empreiteiros que tramitavam no STJ (Superior Tribunal de Justiça) também foi encontrada na casa de Cunha. Chamou atenção dos investigadores a origem do documento: um e-mail enviado em 2015 pelo escritório Cavalcanti & Arruda Botelho Advogados para Marta Pacheco, executiva da Odebrecht. O escritório à época defendia executivos da empreiteira e era um dos mais incisivos nas ofensivas jurídicas contra a Lava Jato. Ninguém sabe ainda como Cunha teve acesso a esse e-mail nem se teve alguma atuação relacionada a esses processos. À ISTOÉ, o escritório disse que “desconhece o motivo pelo qual uma mensagem contendo informações de acesso público, enviada para seu cliente a pedido deste, teria sido localizada em endereço de terceiros”.
O material foi apreendido na Operação Catilinárias, deflagrada em dezembro de 2015 pela PF em conjunto com a Procuradoria-Geral da República. Após uma minuciosa análise, a PF enviou os relatórios ao Supremo Tribunal Federal no fim do ano passado. São listados 94 itens apreendidos na residência oficial do então presidente da Câmara. Celulares, pendrives, aparelhos eletrônicos e muitos documentos comprometedores, que reforçam as suspeitas contra o peemedebista.
Armado até os dentes, Cunha tentava fazer do ataque sua principal arma de defesa, num desesperado esforço para se manter no poder. Cunha guardava consigo, por exemplo, tabelas e relatórios sigilosos de demandas de dezenas de empresas junto à Caixa, que depois seriam usados para achacá-las, e listas de nomeações para postos-chaves do governo de integrantes da bancada do PMDB, os quais o então presidente da Câmara tinha na mão. São mais de 50 empresas citadas, que poderiam estar sob influência do peemedebista. A maior parte era relacionada à vice-presidência de Fábio Cleto, apadrinhado de Cunha na estatal, que confessou que o peemedebista cobrava propina das empresas em troca dos recursos da Caixa.
Um dos documentos foi considerado batom na cueca para os investigadores. Cunha tinha em mãos um ofício de Cleto a um órgão interno da Caixa recomendando a aprovação de um aporte de R$ 3,5 bilhões no Porto Maravilha, projeto a cargo da Carioca Engenharia, OAS e Odebrecht. O empresário Ricardo Pernambuco, da Carioca Engenharia, revelou em delação premiada que o peemedebista havia cobrado R$ 52 milhões de propina em troca da liberação desses recursos pela Caixa, o equivalente a 1,5% do aporte. Novas mensagens encontradas no celular de Cleto, obtidas por ISTOÉ, detalham o modus operandi de Cunha. Em uma delas, o peemedebista reclama que Cleto não lhe avisou sobre um pedido da OAS. “Esse projeto OAS você não tinha falado por que?”. Em outra, Cunha indica que cobraria propina da empresa Haztec: “Preciso ver caso da Haztec se foi liberado algu$m financeiro para tentar algo e da OAS debêntures se saiu mais algo, você não me passou os montantes$”. Obediente, Cleto responde: “Vou checar”.
A tentativa de Cunha de controlar seus pares, a partir de informações estratégias, fica clara em um papel cujo título é “Cargos da bancada na Câmara”. O documento lista nove cargos de comando no governo federal: três na Caixa, dois no Ministério da Agricultura, um no DNPM, um na Infraero, um na Funasa e um no Departamento Nacional de Obras contra as Secas. Aponta também “novas demandas”, como uma diretoria no BNDES e uma vice-presidência no Banco do Brasil. Os relatórios corroboram outros papéis encontrados entre os pertences do peemedebista indicando que um outro foco de atuação de Cunha era o DNPM. Foram encontrados em seu escritório, por exemplo, documentos relacionados a duas mineradoras que tinham interesses no órgão. Em uma das pastas havia processos relacionados à Mineração Gremont no DNPM. Em outra, havia um manuscrito com o nome da empresa Tejucana Mineração e os números de dois processos de licenciamento. “A anotação nos faz crer num pedido de acompanhamento do processo por parte do interessado”, escreveu a PF.
A delação premiada
Os documentos apreendidos ainda seguem sob análise dos investigadores, mas já podem ser anexados aos inquéritos existentes ou usados para abrir novas frentes de investigação. Enquanto as provas se avolumam, Cunha segue preso em Curitiba, onde está desde outubro do ano passado. Procurado, o advogado de Cunha, Ticiano Figueiredo, disse que “irá se manifestar oportunamente nos autos” sobre o mérito dos itens apreendidos. Ressaltou que “documentos e conversas apreendidas, pinçadas e colocadas fora de contexto, não podem ser considerados como aptos a ensejar um juízo desfavorável em relação a um investigado”. Interlocutores que o visitaram recentemente dizem que o ex-deputado ainda não se convenceu totalmente sobre um possível acordo de delação premiada. Mas esta pode ser a única saída, caso ele queira reduzir o tempo de sua estada na cadeia.
1- Gilson Dipp
A papelada incluía um parecer jurídico do ex-ministro do STJ Gilson Dipp que defendia a impossibilidade de um acordo de delação premiada com o doleiro Alberto Youssef na Lava Jato pelo fato de ele ter rompido um acerto anterior, do escândalo do Banestado. Youssef foi o primeiro delator a citar Eduardo Cunha, puxando o fio do novelo que implicou totalmente o peemedebista no esquema de corrupção
2 – Fábio Cleto
No escritório da residência oficial da Câmara, os investigadores apreenderam documentos sigilosos sobre demandas de empresas por recursos da Caixa Econômica Federal e do FI-FGTS, principalmente relacionados à vice-presidência de Fábio Cleto, apadrinhado de Eduardo Cunha. Em sua delação, Cleto disse que Cunha usava as informações para cobrar propina das empresas
3-Janot
Cunha possuía informações de contratos da gestão do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, lista de procuradores e sub-procuradores gerais da República, informações sobre viagens e deslocamentos deles e outros detalhes relacionados a seus investigadores na Operação Lava Jato. Os documentos em sua posse têm como origem requerimentos do senador Fernando Collor (PTB-AL), também alvo da Lava Jato.
4- Sérgio Moro
Um dos dossiês continha um roteiro para um ataque contra a Lava Jato no Conselho Nacional de Justiça, que consistia em entrar com um procedimento para questionar a legalidade da resolução da Justiça Federal que conferiu ao juiz Sérgio Moro exclusividade sobre os processos da Operação Lava Jato, ato essencial para a agilidade e o êxito das investigações
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