Política

Em Lisboa, manifestantes protestam contra ‘golpe’ durante evento com José Serra e Gilmar Mendes

29/03/2016
Em Lisboa, manifestantes protestam contra ‘golpe’ durante evento com José Serra e Gilmar Mendes
Dezenas de pessoas entoaram gritos de 'não vai ter golpe' (Marana Borges)

Dezenas de pessoas entoaram gritos de ‘não vai ter golpe’
(Marana Borges)

Aos gritos de “Não vai ter golpe”, dezenas de manifestantes brasileiros e portugueses receberam em Lisboa nomes importantes da oposição ao governo de Dilma Rousseff, como o senador José Serra (PSDB), na abertura de conferência na Faculdade de Direito em Lisboa sobre “Constituição e Crise”. O homem mais aguardado, o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, coordenador do evento, entrou pela porta dos fundos.

“Há um movimento seletivo do Judiciário que incrimina alguns políticos e protege outros, mesmo que seus nomes apareçam nas investigações da Lava-Jato”, afirmou a professora Danielle Pereira, 43 anos, em referência ao arquivamento pelo STF de apuração sobre o senador Aécio Neves, que fará uma palestra na quinta-feira (31/03), último dia da conferência. Danielle viajou a turismo a Portugal, mas fez questão de ir ao protesto.

O seminário expôs o clima de antagonismo na sociedade brasileira. Na longa fila à porta do anfiteatro, os participantes brasileiros, todos de gravata ou salto alto, trocavam impressões sobre a capital portuguesa. Questionados sobre a crise política, em geral não escondiam a antipatia pelo governo. Alguns, porém, temeram dar declarações públicas. Não foi o caso do conselheiro federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) Caio César Rocha, que diz apoiar o impeachment de Dilma, “em conformidade com a OAB”.

Do lado de fora da faculdade, os manifestantes, respaldados pela polícia, ocuparam a escadaria principal com faixas. Os pesquisadores, turistas, estudantes e trabalhadores emigrados eram provenientes de diversos estados do Brasil. O deputado estadual Felipe Attiê (PP-MG), defensor do impeachment, disse que se tratava de “pessoas pagas pelo PT”. Depois, referiu com orgulho e em pormenores o número de votos que ele próprio obteve nas Legislativas de 2012 em Uberlândia: 8.395.

Nos bastidores, o possível uso político da conferência causou desconforto entre os portugueses. O presidente Marcelo Rebelo de Sousa (centro-direita) e o primeiro ministro socialista António Costa não compareceram. Nem sequer líderes dos partidos de centro-direita, como o ex-premiê Pedro Passos Coelho e seu ex-vice, Paulo Portas, estiveram no evento. Esta ausência pode ser lida como um receio de se associar a uma possível tentativa de angariar legitimidade internacional à destituição da presidenta Dilma.O embaixador do Brasil em Portugal, Mario Vilalva, descartou qualquer implicação do gênero, dizendo que a conferência já está na quarta edição. Mas enfatizou, com entusiasmo, que “este auditório nunca esteve tão cheio”.

No dia em que o PMDB oficializou sua saída da base governista, o auditório lotado ouviu o vice-presidente Michel Temer, em videoconferência gravada, saudar o “novo clima” de reformas constitucionais que o Brasil viveu a partir de 1995 — coincidindo com o mandato de Fernando Henrique Cardoso — e que permitiu o fim dos monopólios estatais e o incentivo à iniciativa privada. Uma clara virada política do então maior partido aliado.

Horas antes do anúncio oficial do fim da aliança, Gilmar Mendes, sempre com fala calma e postura confortável, já tecia conjeturas: “Vamos ter um agravamento da crise política e de governança”. Ele ainda alegou que “nos últimos 14, 15 anos” instalou-se no país uma cleptocracia (governo de ladrões), e conclamou a Justiça a resguardar o Estado de Direito. À saída da faculdade, o vice-presidente do Senado Jorge Viana (PT-AC), voz dissidente entre os convidados, retomou o mote do respeito constitucional para alertar sobre “o risco de o Brasil ver sua Constituição ser rasgada com a conivência de setores do Judiciário”.