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Diálogo de surdos
Vamos ter uma nova Base Nacional Comum Curricular, fruto de obrigação constitucional. O MEC disfarça bem os seus objetivos, pedindo a contribuição democrática dos parceiros envolvidos no processo. Hoje, há mais de 10,3 milhões de sugestões. Muita bobagem tem sido proposta, a mais recente das quais a ideia de eliminar a literatura portuguesa dos currículos. Segundo essa lógica abstrusa, pra quê estudar Camões, Eça de Queiroz, Almeida Garret, Fernando Pessoa e José Saramago? Quer-se eliminar, na base, a influência lusitana em nossa cultura. Mais precisamente o que veio da Europa, para uma dedicação total ao que recebemos de índios e negros, portanto valorizando tais culturas. No caso da África, há bons autores que defendem a tese de que a humanidade descende do continente de Nelson Mandela.
O absurdo dessa proposta é tão grande que existe a ridícula sugestão de eliminar a Inconfidência Mineira dos estudos de História do Brasil. Como não se registrou a presença de afrodescendentes nesse importante capítulo da nossa vida, então não deve prosperar o seu estudo. Pela mesma lógica, a Revolução Farroupilha também deveria ser eliminada. Ou seja, todos os eventos de origem eurocêntrica.
Outro lote de barbeiragens refere-se à redução da Gramática. Isso já se denota nas questões elaboradas por linguistas de visão estreita, nas provas do Enem. Foge-se do esquema das quatro linhas essenciais que devem ser preservadas no estudo das línguas nativas: leitura, escrita, gramática e oralidade. Não se pode estranhar, com essa mentalidade, que haja tanta deficiência de leitura na escola brasileira. O currículo não equaliza oportunidades. Ao contrário, amplia desigualdades. Estamos preparando nossos alunos para apreender no 9o ano o que os americanos dão no 5o ano. Isso não é visto pelos educadores que manejam o assunto?
Com autoridade de diplomado em Matemática, posso criticar a forma como se ensina frações, percentagens e juros. A matéria é levada aos alunos de forma atrasada, se compararmos com o que acontece na França e nos Estados Unidos, por exemplo. Procura-se entre nós a glória de ensinar as crianças a contar até 30 até o final do 1o ano. Nos países citados, esse número chega a 120. A diferença é inexplicável. Aliás, a boa contagem já se faz no pré-escolar.
Pela proposta em discussão, entra em cena a discutível palavra “contextualização”, em geral utilizada com propósitos nitidamente ideologizantes. Hoje, pretende-se que 60% do conteúdo provenha do currículo nacional, a fim de assegurar um mínimo de identidade aos nossos propósitos educacionais. Os outros 40% seriam “contextualizados” de acordo com a região dos alunos, inclusive em Matemática, que já foi conhecida como ciência exata. É claro que os exemplos necessários do cotidiano podem abordar fatos da cidade de origem dos alunos. Mas não vai ser fácil.
São considerações que os técnicos do Ministério da Educação devem estar levando em conta, quando ao final do ano deverão oferecer à nossa sociedade uma versão harmoniosa e inteligente. Só não estamos de acordo com os que se preocupam com a troca dos livros didáticos. É o menor dos problemas, pois os livros são mesmo trocados de três em três anos e seria de bom alvitre que a próxima fornada viesse com base num currículo moderno, coerente e competitivo. Certamente, as editoras brasileiras não se furtarão a essa importante e decisiva colaboração.
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