Política

Collor defende revisão do ECA e propõe pacto pela infância e juventude

13/07/2015
Collor defende revisão do ECA e propõe pacto pela infância e juventude

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Há 25 anos, o Estatuto da Criança do Adolescente (ECA) era sancionado pelo presidente da República Fernando Collor. Um instrumento fruto de intenso debate, inspirado no resultado da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança das Nações Unidas. Na tarde desta segunda-feira (13), em pronunciamento, o senador Collor (PTB) alertou sobre a necessidade de rediscutir o ECA, colocando, sobretudo, em prática as políticas públicas para os menores. Ele defendeu também um pacto nacional pela infância e juventude. “Porque os jovens que nos inquietam hoje são exatamente as crianças que abandonamos ontem”,afirmou.

Na semana que o ECA faz 25 anos, o Senado discute também o endurecimento de penas para os menores infratores. O senador lembrou que, apesar dessa discussão no parlamento acerca de penas mais rígidas, os dispositivos do ECA que asseguram cidadania aos menores não são executados até hoje pelo Estado. Diante do debate emocional sobre o tema, Collor lembrou que não existe mágica para solucionar o problema da segurança pública. Como solução para essa questão, ele propôs um pacto nacional pela a infância e a juventude, evitando assim que, “daqui a 25 anos, os que sobreviverem à escalada da violência dos dias de hoje estejam ainda na mesma situação”.

“Não fomos capazes de levar plenamente a cabo a proteção integral à criança, e pagamos agora o altíssimo preço da omissão e da ausência do Estado. Porque os jovens que nos inquietam hoje são exatamente as crianças que abandonamos ontem. São o produto da negligência, da exploração, da violência, da crueldade e da opressão. São, também, o produto de gravidez precoce e indesejada, de famílias desestruturadas, a que não soubemos dar assistência. São, em sua grande maioria, seres humanos que conviveram mal com seus pais, e pouco frequentaram a escola”, narrou.

O senador reconhece que a solução para o problema não é simples, não é barata, não é rápida e não é mágica, mas está aí, aos olhos da sociedade. Para o ex-presidente, a solução é mais, e não menos, proteção integral à infância e à adolescência, é mais escola, e não mais prisão, é, portanto, fazer valer o ECA. Collor disse que não se trata de condescendência, de complacência, de leniência, mas, sim de eficácia. Antes de reduzi-lo ao desmonte, apontou ele, é preciso transformar o ECA em verdadeira construção.

“Já aprendemos – acredito que todos – que a inação, a negligência e a desídia para com a infância e a juventude nos cobram um preço elevado demais. A hora de agir é, pois, agora. Para os jovens que já estão nas ruas ou em situação de vulnerabilidade social, não nos resta alternativa senão a educação. Para evitar que se envolvam com o crime, é preciso inseri-los na sociedade, socializá-los. É preciso aproveitar a pouca idade que têm e oferecer-lhes perspectivas, uma razão para viver. É preciso acenar-lhes com um futuro. É preciso mostrar-lhes, pela primeira vez em suas vidas, a face acolhedora do Estado. É preciso conquistá-los”, sugeriu.

Quanto aos que já se voltaram para o crime, o senador alerta que é preciso refrear, em primeiro lugar, o desejo de vingança que se verifica em alguns, e substituí-lo pela figura da Justiça. Ele argumenta que são atos reprováveis os que cometeram, mas é preciso julgá-los à luz de uma história de abandono e de privação, entendendo que mais punição, apenas pela punição, redundará apenas em mais criminalidade. O senador alerta que para evitar que se multipliquem e reincidam, é preciso interromper a espiral da violência e do ódio.

“É preciso reconhecer que esses jovens infratores são – sobretudo, e antes de tudo – jovens. São jovens que têm 15, 16, 17 anos. Têm uma história diante de si. Ainda que tenham já consciência da ilicitude de seus atos, estão ainda confusos, perdidos, magoados, revoltados, em processo de formação. E sendo jovens, muito jovens ainda, estão mais sujeitos à recuperação. Não podemos simplesmente descartá-los. O caminho não pode ser, pois, o simples encarceramento, mas a ressocialização. Podemos, sim, e devemos, rediscutir o conjunto de medidas socioeducativas propostas pelo ECA, seu alcance e sua duração”, considerou.

Política pela educação

Como presidente, Collor instituiu o programa nacional para construção de 5 mil centros educacionais destinados a escolas em regime integral. Dias após a sanção do ECA, em pronunciamento na sessão de trabalho da Cúpula Mundial pela Criança, em Nova York, o então presidente comentou sobre a disposição do seu governo em implantar medidas para solucionar os graves problemas sociais da população infantil. Entre elas, apontou Collor, o respeito aos direitos humanos fundamentais e o direito de viver em sociedades que incorporem os frutos do progresso e que lhes assegurem um padrão de vida material condizente com os requisitos da dignidade humana.

“Nenhuma daquelas iniciativas teve continuidade nos governos que me sucederam. Tenho certeza que se aqueles programas, se aquelas campanhas, se aquela política pública por mim implantada tivesse prosseguido, e com absoluta prioridade, hoje, 25 anos depois, não estaríamos discutindo aqui no Congresso, e no seio da sociedade como um todo, a redução da maioridade penal. Há mesmo quem acredite que a violência endêmica que assola este País tem alguma vinculação com o ECA, e se verá exterminada, por decreto, como em um passe de mágica, no dia seguinte àquele em que submetermos os adolescentes às mesmas masmorras em que já padecem outros 600 mil brasileiros. Prefiro o raciocínio direto e realista de que, se não garantimos a escola, como podemos querer responsabilizar penalmente os menores de 18 anos?”, argumentou.

Na visão de Collor, a discussão que cerca o tema da redução da maioridade mostra que a paciência, a tolerância e a generosidade da população brasileira parecem ter sido sequestradas pelo medo, que, segundo o senador, sempre foi um péssimo conselheiro. Para ele, a política social do ECA na verdade nunca foi plenamente implantada. O parlamentar narrou que os dispositivos do estatuto foram, inclusive, elogiados e imitados em inúmeras outras partes do mundo.

“Com efeito, tivéssemos sido capazes, nos últimos 25 anos, de instalar as políticas de proteção integral à infância prescritas pelo ECA, o problema que enfrentamos hoje simplesmente não se colocaria. Os adolescentes de hoje teriam recebido, quando crianças, educação e saúde de qualidade, teriam tido direito à habitação digna e à assistência social, e compartilhariam, como sujeitos de direitos e cidadãos plenamente inseridos em nosso meio social, nossos valores e nossas práticas. Mas não conseguimos”, discorreu.

Collor destacou que o cenário atual mostra que as autoridades brasileiras não foram capazes de levar plenamente a cabo a proteção integral à criança e, agora, paga-se um altíssimo preço da omissão e da ausência do Estado. Ele apontou que a ausência de políticas públicas pesa mais sobre aqueles que não têm, fora do Estado, nenhuma opção. O senador lembrou que os jovens infratores são filhos da indiferença, da discriminação, do desprezo. Ele apontou que esses jovens nunca tiveram quem os acolhesse, nunca tiveram a quem apelar. Aprenderam, segundo o senador, no mais absoluto abandono, na solidão severa e fria das ruas, a engolir o choro e a ignorar a dor.

“Não sabem e nunca souberam o que é o amor. E, no entanto, aqui estamos nós a exigir que esses jovens, que foram de tudo excluídos, que nunca foram verdadeiramente sujeitos de direitos, que sempre foram marginalizados, se comportem como nós. E exigimos que aceitem nossas leis. E exigimos que respeitem nossas regras. Mas como, se eles sabem que suas vidas, para uma grande maioria, não valem e nunca valeram nada? Mas como, se foram cevados com a frieza, com a malícia, com o ódio? Mas como, se nunca foram submetidos a nossos parâmetros civilizatórios e a nossos contratos sociais? Hoje reduzir a maioridade penal e enrijecer as penas, nas atuais condições sociais do Brasil, beiram a deslealdade, uma deslealdade maior do que os próprios crimes cometidos pelos jovens infratores”, alertou.

De acordo com o senador, dados oficiais mostram que jovens infratores agridem por uma bicicleta, um celular, um troco qualquer. E que ele não sentem remorso, não sentem culpa, ou seja, vivem em outro mundo. Na visão de Collor, os casos mostram que os infratores têm outra lógica, pautam-se por outros valores. O senador reforçou que esses jovens aprenderam a viver pela indiferença do Estado, a fazer da violência um modo de vida. Apenas em 2014, 32 mil adolescentes de 16 e 17 anos deram entrada nas unidades de cumprimento de medidas socioeducativas no País. Segundo dados da Fundação Casa, 51% deles não frequentavam a escola, e 66% provinham de famílias em situação de extrema pobreza.

“O dilema que se nos apresenta é, pois, como lidar com esse jovem que é um verdadeiro estrangeiro, que não fala nossa língua, que não compartilha nossos sentimentos, que não tem nenhuma empatia por nós? Assim como os criminosos não se deixam intimidar pela ameaça de penas mais severas, também nossos menores infratores responderão com indiferença e ainda mais violência à tentativa inócua de reduzirmos a maioridade penal e agravarmos sua punição. Eles não têm alternativa, pois é uma questão de sobrevivência. Qualquer que seja a idade penal mínima. Qualquer que seja a punição”, expôs.

De acordo com o senador, o endurecimento das penas não vai diminuir os casos de violência com a participação de menores. Collor lembrou que muitos deles foram criados nas ruas e anestesiados pelas drogas, simplesmente não se importam com a lei. Ainda segundo o senador, o cenário atual mostra que de muito pouco valerá encarcerá-los, pois os criminosos se organizarão, se evadirão e atacarão mais uma vez, com renovado ódio, com redobrada violência, e – sobretudo – com aperfeiçoada experiência.

“Enquanto insistimos nessa criminologia; enquanto insistimos nessa política vingativa de encarceramento massivo; enquanto fazemos de conta que o problema da violência se resolve por decreto, por meio da exclusão social, esses meninos, que são sintoma e não causa do esgarçamento do nosso tecido social, continuarão a infringir por aí. E, assim, de infração em infração, de delito em delito, de crime em crime, apenas aprofundaremos este caos nosso de cada dia. O que fazer, então? Lamentarmo-nos apenas? Rendermo-nos à delinquência? Não, jamais”, declarou.

Para o senador, o momento atual sugere adaptação do Estatuto da Criança e do Adolescente, perseguindo e punindo o adulto que se utiliza de adolescentes e os induz ao crime. Ele lembrou que já há, no Senado, várias iniciativas nessa direção. Mas, alertou Collor, o que não pode é modificar uma lei da importância do ECA tão somente em virtude de casuísmos.

Ao contrário, sugeriu o senador, as alterações devem resultar de reflexão ponderada e, acima de tudo, desprovidas de critérios passionais. Collor reconhece que estas são medidas complexas e articuladas, de âmbito infraconstitucional, que devem ser acompanhadas de políticas de atenção e acompanhamento, e que não se resolvem por obra e graça de apenas uma emenda taumatúrgica à Constituição.

“Quanto tempo levaremos ainda para perceber que o problema da violência não se resolve com um Estado policialesco de enfoque puramente repressivo? Quanto tempo levaremos ainda para perceber que a emotividade e a passionalidade que acompanham a reação social a certos episódios criminosos não devem nos conduzir a generalizações espúrias e a inspirar excessos punitivos? Quanto tempo levaremos ainda para perceber que o aumento da criminalidade, que não é de hoje, que não é de agora, não tem absolutamente nada a ver com a maioridade penal, mas tem tudo a ver com a desatenção à infância, e merece ser tratado como elemento de educação e de saúde pública adequadas, mais do que segurança nacional?”, questionou.

O senador disse que a realidade do Brasil mostra que é preciso ter a honestidade intelectual de reconhecer que é mais do que passada a hora de reformar a política de segurança neste País. No atual modelo, segundo ele, o país não vai chegar a lugar algum. Desde o ano 2000, o número de presos no Brasil já cresceu 161%, e a população carcerária é hoje de 711.463 pessoas, incluídas 147.937 em prisão domiciliar.

Apenas no ano passado, o crescimento foi de 7%. “De que nos adiantou prender tanta gente? Onde há paz social? Onde há segurança? Isso porque o sistema não avançou, não buscou introjetar valores, não adotou na íntegra a Política de Proteção Integral preceituada no ECA. Pelo contrário, restringiu-se ao simplismo do mero – e mau – acondicionamento e da obediência rígida – e por vezes desumanas – às regras”, apontou.

Ainda no discurso, Collor fez um apelo à razão da sociedade, celebrando os dispositivos do ECA, reconhecendo no estatuto um poderoso instrumento da mudança, que está ao alcance dos legisladores. Collor sugere uma adaptação e aprimoramento desse marco legal, se necessário. Contudo, o senador pediu que parem de semear tempestades, para que a sociedade brasileira não continue a colher, amanhã como agora, mais violência, mais criminalidade.

Comenda

Ao final do discurso, o senador Fernando Collor comunicou que deu entrada a um Projeto de Resolução instituindo a Comenda Zilda Arns. O objetivo da comenda é agraciar pessoas ou instituições que desenvolvam, no Brasil, ações e atividades destinadas à proteção da criança e do adolescente. “Creio que esta medida, além das justas homenagens à Zilda Arns, à Pastoral da Criança e aos futuros agraciados, terá como mérito manter acesa a chama da luta por melhores condições de vida às nossas crianças e adolescentes, a começar pela permanente aplicação e aprimoramento do ECA”, pontuou.

Por fim, Collor comunicou que nos próximos dias uma comissão formada por senadores pretende apresentar um projeto de lei de aprimoramento do ECA, não só o adaptando, mas também consolidando as principais leis já existentes sobre o tema.