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O Neto de Arraes
1° de abril de 1964, uma luminosa manhã acordou Recife, prenunciando um lindo dia de sol. A boataria se alastrava sobre tropas mineiras que desciam para o Rio sob o comando do general Mourão, eclodindo o golpe militar. Dia 1º de abril, o dia mais longo e mais nervoso da história do Recife, a Moscouzinha brasileira, assim chamada por ter tradicionalmente uma esquerda forte e participante na política do Estado.
Eu era tenente do Exército servindo na 2ª Cia de Guardas, tropa de elite do IV Exército, tive uma atuação efetiva nos primeiros dias do golpe militar. Uma manhã tensa frente a meu pelotão de choque e guerrilha urbana. 40 soldados armados e bem equipados. Primeira missão, dispersamos manifestação no sindicato dos bancários. Em seguida fomos ao centro da cidade acabar com aglomerações. Nesse patrulhamento tive uma visão melhor da situação. A Praça dos Campos da Princesa, onde fica o palácio do governo, estava ocupada por soldados em posição de tiro, tropa do 14º RI e do 7º RO. Nesse momento acontecia um fato histórico dentro do palácio. O Almirante Dias Fernandes (que havia oferecido os quartéis da Marinha para Arraes resistir qualquer golpe), comunicava ao governador Miguel Arraes, que os militares deliberaram desfechar uma revolução contra o governo federal, que ele viajasse imediatamente para o Rio, a fim de encontrar-se com o presidente Goulart.
O governador Arraes, ouviu tudo calado e falou pausadamente, com muita convicção:
“- Senhor Almirante. Talvez neste momento já seja prisioneiro do IV Exército. Talvez eu já atravesse a porta deste gabinete preso. Mas nunca os senhores conseguirão que o atual governador de Pernambuco saia desta sala desmoralizado. Eu tenho um mandato que me foi conferido não pelos senhores, mas pelo povo, e que termina numa data certa. Os senhores não me podem tomar essa representação que o povo me conferiu, poderão, no entanto, impedir-me de exercê-la pela força. Enquanto eu for governador de Pernambuco, não aceitarei a menor limitação às minhas prerrogativas constitucionais”
O Almirante saiu calado. Só mais tarde foi dado um ultimato para Arraes renunciar e sair livre. O governador se manteve. Foi levado preso para o 14º RI e depois mandado para Fernando de Noronha.
Alguns dias depois recebi uma missão em um envelope lacrado, só poderia abrir quando levantasse voo num avião na Base Aérea do Recife. Fardado, equipado, com um outro carro levando uma escolta, apanhei uma “Rural”, ainda na viatura abri discretamente o envelope, li a missão: Escoltar o preso Miguel Arraes até o quartel da 2ª Cia de Guardas. Ao chegar, Arraes já se encontrava na Base Aérea do Recife, tinha vindo em outro avião. Prestei continência, apresentando-me como chefe da escolta que o levaria para a 2ª Cia de Guardas. Entrei junto com Arraes no banco traseiro, nos dirigimos para Avenida Visconde de Suassuna, quartel da Cia de Guardas. Ao passar pela Avenida Sul, conversando com Arraes, seus olhos marearam ao me falar: “Tenente, quando eu era prefeito do Recife construí essa Avenida, foi uma das minhas grandes obras, resolveu o congestionamento dessa cidade.”
Arraes ficou preso um bom tempo na Cia de Guardas. Quando podia eu conversava com os presos políticos, a fina flor da intelectualidade pernambucana amontoada em dois xadrezes construídos para 4 ou 5 soldados indisciplinados, havia mais de 10 presos em cada xadrez, entre eles, Pelópidas Silveira (prefeito do Recife), Francisco Julião (advogado das ligas camponesas), Gregório Bezerra (comunista convicto e agitador praticante), Paulo Freire(educador); Gibraldo Moura Coelho(advogado), Alfredo Ferreira Filho(comerciante), Paulo Cavalcante (promotor), Agassis de Almeida (deputado), Marcos Botlen (engenheiro).
Aprendi muito com presos os políticos, nos tornamos amigos. A convivência foi um marco em minha vida, mudou minha cabeça. Tempos depois, alguns percalços aconteceram em minha carreia militar. Deixei o Exército como capitão em 1971.
Escrevi um livro em 2001, CONFISSÕES DE UM CAPITÃO, onde narro muitos fatos de 1964. O lançamento do livro no Recife foi emocionante e feliz com a presença Arraes, Pelópidas, outros ex-presos, e familiares.
Hoje morreu em desastre de avião, Eduardo Campos, jovem político talentoso, neto e herdeiro político de Arraes, meu candidato à Presidente da República. Entrou na história, morreu na mesma batalha e sonho do avô por um Brasil melhor. O Brasil perdeu sua maior expressão jovem, política e ética. Deu um vazio, uma tristeza no povo brasileiro.
Dedico essa crônica de reminiscência a Dona Madalena ( viúva de Arraes) e a Antônio ( irmão de Eduardo), meu amigo e companheiro nas batalhas kiterárias.
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