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Matou quatro pessoas e foi absolvido por ser rico
O drama do castigo penal (ora barbaramente excessivo, ora escancaradamente leniente) sugere diariamente incontáveis capítulos novos. Vale a pena refletir sobre o tratamento vergonhosamente favorável dado ao jovem Ethan Couch. Ser absolvido de um crime por ser milionário não constitui nenhuma novidade. Que o diga a história da humanidade e da Justiça criminal. Os ricos (especialmente nos sistemas penais burgueses extremamente desiguais) gozam de muitos privilégios, ideologicamente perpetuados nas respectivas culturas. Eles fazem de tudo para não serem nem sequer processados (muito menos condenados).
Beccaria, já em 1764 (no seu famoso livro Dos delitos e das penas), deplorava esse tipo de tratamento desigual. Na época, em relação aos nobres; ele dizia que, sob pena de grande injustiça, os nobres deveriam ser punidos da mesma maneira que os plebeus. A medida da pena, ele afirmava, deve ser o dano causado à sociedade, não a sensibilidade do réu (sua honra, sua fama, sua carreira etc.).
Ethan Couch, um adolescente norte-americano de 16 anos, no Texas, conduzia seu veículo em estado de embriaguez (três vezes acima do permitido) quando matou quatro pessoas num acidente automobilístico. A prisão que seria a reação natural, sobretudo se se tratasse de um jovem negro e pobre. Sendo Ethan de uma família muito rica, a sentença do juiz foi espetacularmente “humanista”. Fundamentação do juiz: “os pais de Ethan sempre lhe deram tudo o que ele queria, e nunca lhe ensinaram que as acções têm consequências. Ocupados com o seu egoísmo e as suas próprias vidas, deixaram-no crescer entregue a si mesmo, sem lhe incutirem bons princípios – um problema típico desse tipo de famílias, segundo o tribunal. O menino foi desculpado, portanto” (http://expresso.sapo.pt/matou-quatro-pessoas-mas-o-juiz-diz-que-nao-o-prende-por-ser-rico=f846069#ixzz2yaUIvs5r).
No Brasil isso já ocorreu incontáveis vezes em relação aos menores ricos (para que destruir o futuro de uma criança ou de um adolescente do “bem”?). E vai ocorrer com mais intensidade se o legislador brasileiro (irresponsavelmente) não resistir à tentação de reduzir a maioridade penal (quando vamos entender que lugar de menores é na escola, não em presídios?). Já hoje praticamente não se vê nenhum menor rico cumprindo a “medida” de “internação”. A Justiça trata os menores milionários de forma diferente; apenas não costumam ser tão explícitos como foi o juiz norte-americano do caso Ethan.
Quando se trata de um pobre, por mínima que seja a infração, a família dele funciona como agravante – mães solteiras, pais ausentes, alcoolismo, dependência, irresponsabilidade, disfuncionalidade; “o menor pobre nasce para o crime”, é atavicamente mórbido etc. Tudo leva o juiz (“imparcial”) a deixá-lo preso (“internado”) um período, para se acalmar. Nem sempre ocorre o programado, mas o sistema penal burguês foi desenhado para discriminar os pobres e marginalizados. O tratamento não é apenas lenientemente desigual em relação ao rico, sim, é desigual da intensidade das sanções contra o pobre. A mesma infração ora é perdoada, ora é punida severamente: tudo depende quem a praticou (essa distinção, extraordinariamente difusa nos países socioeconomicamente muito desiguais, é que era criticada pela sensibilidade de Beccaria).
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