Brasil
Indígenas fazem manifestação contra portaria da demarcação de terras
Brasília – O Ministério da Justiça explicou em nota que a proposta de portaria contra a qual os índios fazem manifestação hoje (4) em Brasília – após terem acesso à minuta (esboço) do documento – tem o objetivo de solucionar os conflitos com produtores rurais nos processos de demarcação de terras indígenas.
No comunicado, divulgado ontem à noite, o ministério esclareceu que índios, entidades indigenistas, órgãos governamentais e associações de agricultores podem apresentar sugestões que vão ser levadas em conta na redação final da portaria, argumentando que o rascunho foi apresentado justamente para fomentar o debate público.
Não há definição sobre a audiência pedida ao Ministério da Justiça pelos índios, que se dispersaram após o protesto no local. Mais cedo, houve confronto com seguranças durante manifestação no Palácio do Planalto. O grupo participa da 5ª Conferência Nacional de Saúde Indígena, que prossegue até amanhã em Brasília.
Ainda de acordo com o ministério, a intenção da portaria em estudo é “dar poderes” à Fundação Nacional do Índio (Funai) para que ela possa “mediar os conflitos envolvendo a demarcação de terras indígenas”. Além disso, a nova regulamentação permitirá a participação de outros órgãos interessados, aumentando a transparência no processo demarcatório.
“A expectativa do Ministério da Justiça é que o novo procedimento reduza a judicialização e, com isso, agilize a demarcação de terras indígenas em todo o país”, informa a nota ministerial.
Para os índios, no entanto, a iniciativa é uma tentativa de oficializar a proposta apresentada e defendida por integrantes do governo federal como os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, ainda no primeiro semestre deste ano.
A proposta prevê que outros órgãos além da Funai, como a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e os ministérios do Desenvolvimento Agrário e da Agricultura, sejam consultados sobre os impactos da demarcação de novos territórios indígenas. Segundo Cardozo e Gleisi, as mudanças minimizariam potenciais conflitos entre índios e produtores rurais.
Em maio, ao participar de audiência pública na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural da Câmara dos Deputados, Gleisi Hoffmann disse que a proposta melhoraria os procedimentos demarcatórios, hoje a cargo exclusivamente da Funai, o que, segundo a ministra, compromete a atuação do Estado, já que a fundação é a responsável por promover e defender os direitos indígenas.
“É uma iniciativa para melhorar os procedimentos. Precisamos ter informações para qualificar a tomada de decisões. Vamos ouvir e considerar nos estudos, além da Funai, os ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento Agrário, das Cidades, entre outros órgãos, para termos uma base consistente para os estudos de demarcação”, disse Gleisi, durante o debate.
Índios protestam contra mudança no processo de demarcação de terras
Depois de cercarem o Palácio do Planalto, em Brasília, na manhã de hoje (4), cerca de 1,2 mil índios de várias etnias estão neste momento divididos em manifestações no Congresso Nacional e diante do Ministério da Justiça. O grupo protesta contra o que classifica como mais uma iniciativa do governo federal para inviabilizar a demarcação de terras indígenas. A presidenta Dilma Rousseff não estava no local.
Durante o protesto, os índios chegaram a entrar em conflito com seguranças do Palácio do Planalto e a fechar o trânsito em vários trechos da Esplanada dos Ministérios.
O estopim da manifestação foi a minuta (esboço) de uma portaria que, segundo as lideranças indígenas, o Ministério da Justiça está produzindo. Representantes do movimento dizem ter tido acesso à cópia do documento no último final de semana. Segundo Sônia Guajajara, uma das coordenadoras da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o texto estabelece mudanças nos procedimentos legais necessários ao reconhecimento e à demarcação de terras indígenas.
A proposta, ainda segundo Sônia, visa a oficializar a proposta do governo federal de que outros órgãos de governo além da Fundação Nacional do Índio (Funai) sejam consultados sobre os processos demarcatórios em curso. A proposta foi apresentada pela ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, ainda no primeiro semestre deste ano, com a justificativa de minimizar conflitos entre índios e produtores rurais.
“A gente entende que a minuta servirá só para dificultar ainda mais o processo de identificação e demarcação de terras. O governo federal e o Congresso Nacional estão aliados para atacar e diminuir os direitos indígenas, principalmente os territoriais, favorecendo o agronegócio e o latifúndio”, disse Sônia Guajajara à Agência Brasil, adiantando que o grupo quer ouvir o ministro José Eduardo Cardozo sobre o assunto.
“Há um momento em que as autoridades, e o ministro da Justiça, principalmente, têm que se posicionar e atuar para que os direitos sejam cumpridos, para implementar o que já é garantido constitucionalmente, e não adiar ainda mais isso. O efeito da demora na demarcação de novas terras indígenas é tensionar ainda mais a situação. O governo e o ministro pensam que estão mediando, apaziguando as tensões, mas os conflitos só vêm aumentando”, acrescentou Sônia.
Ao perceber a chegada dos índios, seguranças fecharam todas as portas de acesso ao Palácio do Planalto. Os índios rodearam o edifício e tentaram passar pela entrada lateral. Fazendo barulho e carregando faixas com pedidos de “demarcação de terra urgente”, alguns manifestantes forçaram a passagem, entrando em confronto com a segurança. Alguns seguranças chegaram a usar spray de pimenta para dispersar o grupo.
Após cerca de meia hora no local, parte do grupo seguiu para o Congresso Nacional. Outra parte se reuniu diante do Ministério da Justiça, impedindo o acesso dos servidores que chegavam. Policiais militares reforçam a segurança do local. Representantes do ministério estão negociando com os líderes do protesto. Segundo a assessoria do ministro José Eduardo Cardozo, ele pretende receber uma delegação indígena para discutir o tema.
Além de criticar a minuta, os índios também cobram a apuração de crimes contra os povos indígenas, como o assassinato do cacique Ambrósio Vilhalba, da Aldeia Guarani-Kaiowá Guyraroká, em Cristalina (MS). Vilhalba foi encontrado morto segunda-feira (2). A Polícia Civil deteve dois suspeitos e investiga se a morte foi consequência de rixas entre o cacique e outras lideranças da aldeia.
“O governo deve deixar de promessas e cumprir o que prometeu para nós. Hoje você vê o povo indígena lá em Mato Grosso do Sul sendo assassinado por fazendeiros, por grandes pecuaristas, que querem tomar a terra do índio. Queremos demarcação de terras urgente. Não dá mais para aguentar. Também queremos direito à saúde e à educação. E respeito ao povo indígena”, disse o índio kinikinau, de Mato Grosso do Sul, Nicolau Flores.
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