Geral

Benedito de Morais

28/05/2012
Homem realmente extraordinário, comerciante no Mercado Público de Maceió, após haver prestado o serviço militar na Marinha de Guerra, no Rio de Janeiro, o professor Benedito de Morais divertia-se, nos momentos de folga, no seu estabelecimento comercial, resolvendo os mais complexos problemas de matemática. Sua fama começou a alastrar-se quando um grupo de jovens o procurou, convidando-o a lhes ensinar aritmética, para concurso público. Em pouco tempo, o número daqueles que desejavam ser seus alunos era tão grande que chegou à conclusão de que teria maior renda com suas aulas do que como vendedor de secos e molhados, além de fazer o de que realmente gostava. Nascia, naquele instante, o mais famoso professor de ciências exatas de Alagoas.
Raro é o funcionário do Banco do Brasil, oficial do Exército, da Marinha e da Aeronáutica, engenheiro ou concursado do DASP, nascido em nosso Estado, que não tenha sido seu discípulo, nas décadas em que lecionou nos mais diversos colégios de nossa capital e em aulas particulares, na sua residência, situada na Praça Nossa Senhora das Graças. Vários de seus alunos realizaram cursos de Doutorado em matemática, nas mais renomadas universidades da Europa e dos Estados Unidos e, sempre, destacaram o orgulho de haver iniciado os estudos sob sua orientação. Professores maiores da Universidade Federal de Alagoas como Petrônio Viana e Edmilson Pontes, Fernando Gama, Vinícius Maia Nobre, Carlos Gama, Manoel Ramalho e tantos outros reverenciam a memória do Mestre dos Mestres em Matemática.
Nas noites de aula, eu chegava meia hora antes, em sua casa, exatamente às dezoito e trinta, para ouvir fatos de sua vida tão cheia de acontecimentos, enquanto ele fumava um cachimbo, após o jantar. Foram momentos inesquecíveis para mim. Ele possuía um enorme fascínio. Lembro-me de um dia em que recebera um presente e estava especialmente feliz, não com o presente em si, mas com as circunstâncias que o cercavam. Contou a história. Muitos anos atrás, professor do Instituto de Educação, ensinando logaritmo, pediu às alunas que, na próxima aula, trouxessem o livro, chamado de Tábua, que continha os valores do seno e co-seno, indispensáveis aos cálculos na aprendizagem do tema. Poucas atenderam. Ele, altamente disciplinado, considerou o fato um insulto. Com sua voz de tenor – falava normalmente alto –, aliada ao terror que a matemática inspirava na maioria dos estudantes, anunciou que aquele que não atendesse à determinação na aula seguinte, além de não assistir à aula, tiraria zero na nota do mês.
Ao sair da sala, foi abordado por uma jovem trêmula, de aparência humilde que, com lágrimas nos olhos, explicou não haver conseguido comprar o livro porque seu pai estava desempregado e não tinha dinheiro. O “Velho Biu", como era chamado às escondidas por todos nós, deve ter olhado para a tímida adolescente com aquela carranca que escondia seu enorme coração e afirmado que ela não se preocupasse. Comprou a tábua e a ofereceu à garota. Naquele dia, recebera uma caneta Parker, de ouro, acompanhada de uma carta onde sua antiga aluna informava ser alta funcionária do Ministério da Fazenda, no Rio, e que lhe estava mandando aquela lembrança como uma pequena retribuição do gesto que a marcara tão profundamente, ao ponto de jamais havê-lo esquecido. Apesar da penumbra do estreito corredor, onde costumava dar suas baforadas, sentado numa velha cadeira de balanço, imagino haver captado um ligeiro tremor de emoção na sua voz tão forte e acredito que seu olhar estava marejado, quando afirmou que se sentia feliz por ahaver tido oportunidade de, através dos conhecimentos que transmitiu, modificar, para melhor, milhares de vidas.