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Washington pode bloquear o petróleo venezuelano de que a China precisa?
A Petróleos de Venezuela SA (PDVSA) informou nesta semana que suas operações de produção, refino e exportação continuavam sem interrupção. A estatal petrolífera garante manter e honrar todos os seus compromissos comerciais com clientes internacionais, desmentindo rumores sobre uma possível paralisação técnica.
A afirmação da PDVSA é uma resposta direta às declarações do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que ordenou um "bloqueio total e completo" de petroleiros venezuelanos e proclamou que o petróleo e os recursos venezuelanos pertencem ao seu país, argumentando que foram capitais estadunidenses que desenvolveram a infraestrutura industrial.
A medida, anunciada como uma restrição para navios sancionados, coloca em risco imediato cerca de 600mil barris diários de exportações, a maioria destinada à China.
Além de uma medida coercitiva isolada, especialistas como o analista petrolífero David Paravisini veem nesta ação a materialização de uma nova doutrina de segurança nacional dos EUA, cujo objetivo se resume ao fato de que “os EUA querem limitar a participação e a entrada da China no hemisfério ocidental”.
Em uma entrevista à Sputnik, Paravisini detalhou esta estratégia de contenção, a vital relação Caracas-Pequim e a vulnerabilidade real de um fluxo comercial que hoje é o sustentáculo da economia venezuelana.
A nova doutrina
Para compreender a profundidade da ameaça atual, é necessário ir além da retórica das redes sociais.
Paravisini contextualizou: o que está sendo executado é "um esforço de contenção de todos os investimentos chineses no hemisfério ocidental, em toda a América do Sul, mas também, especialmente na Venezuela, por seu valor estratégico”.
Esta abordagem transforma a nação sul-americana não apenas em um alvo por seus recursos, mas em um tabuleiro da disputa estratégica entre duas potências.
Segundo Paravisini, Washington tem recorrido de maneira agressiva a sanções econômicas e medidas unilaterais como ferramentas de política externa, gerando severas perturbações no cenário comercial atual.
A incerteza política deliberada tornou-se um instrumento, desestabilizando cadeias de suprimento globais e forçando realinhamentos sob pressão.
Neste contexto, o analista considera que o bloqueio a Venezuela é coerente com um padrão de ações destinadas a redefinir relações econômicas pela força e a afirmação de uma suposta primazia histórica.
Paravisini aponta que essa necessidade de controlar recursos estratégicos está no DNA da política energética das grandes potências.
"Todos os EUA têm que garantir acesso ilimitado à energia petrolífera, aos recursos energéticos petrolíferos, de maneira barata", afirmou.
A diferença hoje é que o objetivo explícito já não é apenas garantir o acesso para si, mas impedir que seu principal rival geopolítico consolide o seu. Venezuela, com as reservas comprovadas de petróleo mais altas do mundo, encontra-se no olho deste furacão.
O gigante asiático e sua rede de segurança energética
Diante desta ofensiva, a China não é um ator passivo nem um simples comprador pontual.
"Em Pequim mudaram porque percebem que suas necessidades de recursos são gigantescas e precisam garantir a segurança energética com base no acesso às reservas dos países petrolíferos", insiste o especialista.
A relação é de interdependência estratégica. Por um lado: "não podem ficar de fora [da Venezuela] porque ela possui as maiores reservas de petróleo cru do mundo, que lhes são úteis. Eles estão projetando suas refinarias para processar petróleo venezuelano", ressalta.
Por outro lado, a Venezuela encontrou na China um parceiro financeiro e comercial disposto a operar sob um modelo de empresas mistas, após a saída de corporações como ExxonMobil e ConocoPhillips durante a nacionalização da Faixa do Orinoco.
Enquanto as multinacionais estadunidenses exigiam compensações bilionárias baseadas em um "valor comercial" especulativo, as empresas chinesas aceitaram os novos termos, explicou ele.
Mas o movimento mais significativo de Pequim, segundo a análise de Paravisini, é a construção de um colosal colchão de segurança: a reserva estratégica de petróleo.
"No ano passado, decidiram construir o que chamam de reservas estratégicas e se propuseram uma quantidade extraordinária: 1,5 bilhão de barris".
Essa cifra é "quatro ou cinco vezes a quantidade que os EUA têm em reservas estratégicas". O objetivo é claro: blindar a economia chinesa contra choques de fornecimento.
"Estas reservas estratégicas chinesas podem sustentá-los por cem dias, no caso hipotético de paralisação das importações de petróleo", explica o especialista. Este dado é crucial.
Enquanto as reservas estadunidenses oferecem cobertura de 70 a 80 dias para um consumo maior, entre 20 a 22 milhões de barris diários, as chinesas, com um consumo de 16 milhões diários, oferecem maior autonomia.
"É realmente uma estratégia de segurança nacional em matéria energética. Um muro de contenção financeiro e logístico preparado para cenários de tensão extrema, como o que se vive hoje", declara Paravisini.
As ferramentas de pressão
A ordem de bloquear navios sancionados é a ponta de lança mais visível, mas a Casa Branca revitalizou o uso de sanções secundárias, projetadas para gerar um efeito de congelamento na comunidade financeira e comercial global, de acordo com o especialista.
Ele lembrou que ações anteriores, como a apreensão de um navio petrolífero, foram aplicadas contra "barcos ou unidades que já estavam sancionadas, que já tinham algum tipo de aplicação das medidas coercitivas unilaterais".
O mecanismo é claro: ao sancionar qualquer entidade que comercie com a Venezuela – como decretado em 2019 – intimida-se terceiros países, companhias de navegação, seguradoras e bancos, para que cessem toda interação, sob pena de serem excluídos do sistema financeiro dominado pelo dólar.
A perspectiva dele é que tal ação "já estaria violando os direitos de empresas em particular e de países em particular, que estão defendendo sua integridade energética global para os próximos cem anos".
Por Sputinik Brasil
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