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Análise: Putin mostra Rússia fortalecida em meio ao enfraquecimento institucional da Ucrânia e UE
Em entrevista à Rádio Sputnik Brasil, especialistas comentaram os principais pontos abordados durante balanço anual do presidente russo, que contou com perguntas da imprensa mundial e da população do país.
O presidente da Rússia, Vladimir Putin, participou nesta sexta-feira (19) do programa Retrospectiva do Ano, abordando os principais temas do país em 2025 e, inclusive, respondendo a perguntas de jornalistas de todo o mundo e da própria população russa.
No evento, que teve mais de 4 horas de duração e cerca de 80 questionamentos, Putin comentou sobre o conflito na Ucrânia, a relação com a União Europeia, a saúde econômica da Rússia, o desenvolvimento de equipamentos militares, entre outros assuntos.
Em entrevista à Rádio Sputnik Brasil, especialistas afirmaram que o presidente russo teve a oportunidade de mostrar a estabilidade institucional do país, mesmo diante de sanções internacionais e patrocínio ocidental à força militar de Kiev.
Éden Pereira, pesquisador do Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre África, Ásia e as Relações Sul-Sul da Universidade Federal do Rio de Janiero (NIEAAS/UFRJ), comenta as falas de Putin sobre a relação com o restante da Europa. Segundo Pereira, os vínculos hoje são manchados pela falsa narrativa de ameaça russa, similar à criada na Guerra Fria.
Entretanto, destaca o especialista, a grande dificuldade europeia é, na verdade, se adequar à nova dinâmica global.
"O Putin falou que a Europa tende a desaparecer. E quando ele fala isso, alguns podem entender demograficamente, economicamente, mas entendo como política e cultural. [...] Os europeus, ao tentarem se realocar dentro desse mundo que nós temos hoje de outros polos regionais, não conseguiram fazer isso."
No evento desta sexta-feira, Putin declarou que a Rússia está pronta para trabalhar com a Europa, "mas em pé de igualdade". Para Pereira, a verdade é que o continente precisa de Moscou, não o contrário.
"[Os Estados europeus] precisam da Rússia não apenas por conta dos recursos, mas por uma questão geográfica. A Rússia é vizinha dos europeus. Se eles não se acertarem com os russos, o futuro da Europa vai ser a insignificância."
Para o especialista, há um trabalho "extremamente hábil" da Rússia em termos de diplomacia, o que proporciona boa relação com países do Sul Global, como a China, destacada por Putin durante o balanço anual como o maior parceiro comercial do país. Enquanto Moscou faz sucesso ao redor do mundo, Pereira enxerga que a Europa está "em guerra" com os russos via Kiev.
"Na verdade, se a gente for observar na prática, os europeus já estão engajados na guerra da Ucrânia de uma tal forma que eles estão já em guerra com a Rússia."
Raquel dos Santos, professora de relações internacionais no Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que a Europa deve se questionar se, de fato, a Rússia é uma antagonista em um cenário no qual o presidente do país diz a todo o mundo que a cooperação com o bloco seria vantajosa para ambas as partes.
Para Santos, a unidade empregada em discurso pela União Europeia como uma solução para evitar conflitos é colocada em xeque não só pelo conflito na Ucrânia, mas pelo crescimento da direita no ocidente do continente.
"A partir do momento em que a gente tem o surgimento e fortalecimento de correntes de direita, de extrema-direita na União Europeia, essa divisão interna no bloco tende a se fortalecer. Ou seja, os objetivos políticos de cada país, os objetivos econômicos de cada país, começam a trazer ali questões muito importantes e que também vão ser exacerbadas pelo conflito na Ucrânia."
A pressão econômica feita por países do ocidente contra a Rússia desde o início da operação militar especial não é novidade, enfatiza Santos, que relembra que Moscou resistiu à forte influência neoliberal no início da década de 1990 e construiu uma indústria nacional qualificada, incluindo a área militar.
"A partir de 1999, com a chegada de Putin ao poder, a gente começa a ter um efeito de reinvestimento do Estado russo na questão militar em si, na sua base industrial militar e isso vai ajudar quando acontecerem as sanções econômicas e tecnológicas. [...] E a Rússia ainda vai passar por um processo não apenas de sobrevivência, mas vai além, ela, na verdade, aumenta a sua capacidade militar."
Putin ressalta que Rússia quer paz na Ucrânia
Um dos assuntos abordados ao longo do balanço anual de Putin com a imprensa e população russa foi a operação militar especial. O presidente voltou a destacar o interesse de Moscou em assinar um acordo de paz com a Ucrânia, discutido em diferentes oportunidades, como no encontro com o presidente dos EUA, Donald Trump, em Anchorage, no Alasca, em agosto.
"Nas reuniões preliminares em Moscou, recebemos propostas e pediram-nos para aceitar certos compromissos. Quando cheguei em Anchorage, eu disse que essas seriam decisões difíceis para nós, mas concordamos com os compromissos que nos propuseram."
Para Pereira, a dificuldade da Ucrânia em aceitar um acordo de paz se dá pela ausência de liderança no país, comandado ilegitimamente por Vladimir Zelensky — que teve trabalho artístico como ator elogiado por Putin nesta sexta-feira.
O especialista ressalta que quem comanda os esforços, na verdade, é o chefe da inteligência militar ucraniana, Kirill Budanov, que não pensa em defender estrategicamente "o que vai ser importante para a Ucrânia no período pós-guerra".
"Não tem como estabelecer essa decisão política do que é importante porque [Zelensky] efetivamente não tem poder e não tem respaldo político, seja da população ucraniana em geral, seja das forças políticas que administram e que gerem o Estado ucraniano."
Ainda sobre a operação militar na Ucrânia, Putin destacou que mais de 700 mil soldados russos atuam no conflito, com "uma grande quantidade" tendo nascido na década de 1990. Do outro lado do front, Santos explica que jovens ucranianos são enviados para o campo de batalha sem recursos e despreparados, o que ocasiona em deserções e, consequentemente, à contratação de mercenários.
"O processo de ida de mercenários, por exemplo, de países da América Latina, também tem um efeito rebote que é o seguinte: o conflito de uma forma geral, acaba sendo um showroom das tecnologias. Ou seja, esses jovens muitas vezes estão recebendo o preparo, o treinamento para a operação de drones e estão voltando e auxiliando também o narcotráfico na utilização desses drones."
Talvez a arma principal do conflito, os drones foram alvos de comentários de Putin, que ressaltou o desenvolvimento destes por meio da indústria bélica russa. Embora Moscou possua mais drones que Kiev, o presidente reconhece que há espaço para evolução neste armamento.
"Sabe-se que os drones pesados estão atualmente em falta. O Ministério da Defesa e a indústria estão trabalhando nisso, esta tarefa também será resolvida."
Pereira explica que, diferente da Alemanha e outros países europeus, a Rússia tem uma indústria bélica que pode abastecer o país. Entretanto, quando há um conflito como este, urge a necessidade de aperfeiçoar a tecnologia já existente.
"A Rússia já possuía uma indústria de drones, só que com o passar do conflito, como acontece em muitas guerras, existe um desenvolvimento para se tentar aumentar a eficiência, não apenas em termos de produtividade dos drones, mas também em termos da efetividade desses drones em campo de batalha."
Santos destaca que a aplicação militar destes drones, em um primeiro momento na operação especial, acelera o desenvolvimento de tecnologias que futuramente poderão ser utilizadas para fins civis.
"Momentos de conflitos armados são momentos em que a tecnologia tem, digamos, condições mais favoráveis para saltos tecnológicos.[...] Esses equipamentos possuem uma característica que a gente chama de uso duplo ou tecnologia dual, que basicamente é a capacidade de você utilizar o mesmo equipamento ou uma tecnologia aproximada tanto para o uso civil quanto para o uso militar."
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