Finanças

Ministro do Trabalho tenta anular multa de R$ 8 milhões a sindicato do ABC Paulista, sua base eleitoral. Entenda por quê

Assunto foi levado para reunião do Conselho Curador do FGTS, presidido por ele; titular da pasta afirma que teve aval da AGU e nega 'constrangimento' ao colegiado

Agência O Globo - 19/12/2025
Ministro do Trabalho tenta anular multa de R$ 8 milhões a sindicato do ABC Paulista, sua base eleitoral. Entenda por quê
Luiz Marinho - Foto: Vinicius Loures / Câmara dos Deputados

O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, incluiu na pauta do Conselho Curador do FGTS (CCFGTS), presidio por ele, uma proposta que livraria de uma multa de R$ 8 milhões o Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo do ABC (SINTCABC), área na Região Metropolitana de São Paulo que é sua base eleitoral.

A punição havia sido aplicada pelo setor de fiscalização da própria pasta comandada por ele, que também preside o conselho. Marinho argumenta que não houve "constrangimento" ao colegiado e que a posição teve o aval da Advocacia-Geral da União (AGU).

Mais restrições:

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A equipe técnica entendeu que os valores relativos ao FGTS em um plano de demissão voluntária do sindicato, durante a pandemia de Covid-19, foram pagos em desacordo com a lei. Por isso, estipulou a multa.

As empresas que compõem o sindicato acionaram o ministério administrativamente ainda em 2021, no governo anterior, e em 2024 o próprio sindicato levou o tema à Câmara de Conciliação da AGU.

Depois disso, o tema foi levado por Marinho ao CCFGTS em dois encontros e ficou classificado como sigiloso. No primeiro, em 11 de novembro, conselheiros apresentaram resistências sobre a legitimidade do Conselho para aquele tipo de discussão, segundo relatos.

De acordo com essa interpretação, não seria competência do colegiado reconhecer pagamento direto para os trabalhadores, mesmo que por acordo.

A prática é vedada pela lei, que determina o recolhimento da contribuição para o FGTS nas contas vinculadas na Caixa Econômica Federal. Já os demais direitos previstos na rescisão do contrato de trabalho podem ser pagos diretamente.

De volta ao colegiado

O assunto foi retirado de pauta, mas voltou duas semanas depois, em 26 de novembro. Ao final, não houve revogação da multa, mas o colegiado aprovou, por maioria de votos, um reconhecimento da validade do acordo entre o sindicato e seus funcionários.

Há ainda a possibilidade de contestação da punição e, segundo auditores fiscais ouvidos pelo GLOBO, a organização deverá usar o parecer do Conselho Curador para se livrar da multa milionária.

Na prática, os conselheiros atestaram que os valores devidos de FGTS foram pagos aos trabalhadores, ainda que em desconformidade com as regras. O pagamento das verbas trabalhistas foi dividido em 20 parcelas. No caso do FGTS, especificamente, o montante teria que ser separado dos demais e pago de uma só vez.

O que diz o ministério

Em nota, o Ministério do Trabalho afirmou que a votação foi conduzida pela AGU, que, por meio da Câmara de Conciliação, reconheceu o "benefício do acordo". "Não houve qualquer constrangimento no Conselho, vez que o voto é livre, tendo, inclusive, abstenção de conselheiros, além de votos contrários”, acrescentou o texto.

A advogada do SINTCABC, Eliane Pires Sabadin, disse em nota que a mediação em curso tem por objetivo de buscar uma solução consensual e juridicamente segura para o conflito. Ela destaca a inexistência de prejuízo aos trabalhadores e a regularidade dos procedimentos adotados pelas empresas.

“Os PDVs foram implementados em caráter excepcional durante a pandemia, com plena ciência, participação e consentimento do sindicato laboral, que acompanhou, validou e reconheceu a regularidade dos pagamentos realizados aos empregados”, destacou. “Em nenhum momento houve sonegação, desvio ou apropriação indevida de valores pertencentes aos trabalhadores. Todos os montantes foram destinados diretamente aos beneficiários, conforme acordado coletivamente”, salientou, destacando a importância de uma solução negociada.

Nas discussões no CCFGTS, o Ministério da Fazenda se posicionou contra a medida. Em parecer obtido pelo GLOBO, a pasta afirma que um parecer da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) estabelece que os pagamentos devem ser feitos "mediante depósito de todas as parcelas devidas do FGTS em conta vinculada do trabalhador".

Outros integrantes do Conselho também ponderaram que o colegiado não deveria se debruçar em questões relativas à fiscalização, restringindo-se ao papel de dar as diretrizes mais gerais para a atuação do Fundo.

Já a AGU sustentou o entendimento de que não houve prejuízo aos trabalhadores com os pagamentos diretos. Assim, o contexto da pandemia seria uma justificativa para a solução excepcional, por ter agilizado o recebimento dos valores e evitado exposição em agências bancárias.

A decisão do Conselho Curador foi publicada na terça-feira no Diário Oficial da União: “Excepcionalmente, ficam reconhecidos os pagamentos relacionados ao FGTS efetuados diretamente aos trabalhadores no âmbito do Plano de Demissão Voluntária (PDV) durante a pandemia de Covid-19", diz o texto.

'Lista suja'

Em setembro, houve um outro episódio em que o ministro contrariou uma decisão da fiscalização do trabalho. Marinho revisou o caso que resultaria na inclusão da JBS Aves no Cadastro de Empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão, a chamada “Lista Suja”.

Na época, a pasta disse que o processo estava sob análise e que cabiam recursos. Posteriormente, a Justiça determinou que a empresa fosse incluída na lista.

O Ministério Público Federal (MPF) sustentou na ocasião que ato de avocar o tema para o ministro alegando a relevância econômica da empresa “estabelece um precedente perigoso, sugerindo que o poderio econômico do infrator tem o condão de influenciar o tratamento administrativo a ele dispensado”.

A JBS, por sua vez, afirmou que o episódio que provocou a inclusão foi provocado por uma empresa terceirizada, que teve o contrato rescindido e foi bloqueada de futuras contratações. A JBS acrescentou que tem "tolerância zero" com violações e que uma auditoria está sendo feita para checar as condições de todos os trabalhadores que prestam serviços para as terceirizadas.