Finanças
Lei do superendividamento: em quatro anos,TJ registra alta nas ações para renegociação de dívida
Precisa escolher entre comer ou pagar débitos? Justiça pode ser acionada
Consumidores que acumulam dívidas a ponto de não conseguirem mais pagá-las sem comprometer a sobrevivência têm, desde 2021, a Lei do Superendividamento como aliada para a regularização da vida financeira. Em quatro anos desde a sua sanção, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) viu um crescimento do número de ações voltadas para a renegociação de dívidas com base na nova legislação: o número de processos iniciais passou de dois para quase sete mil em 2025.
— O aumento de processos é reflexo de dois movimentos simultâneos. A crise econômica vivida por milhões de famílias brasileiras, agravada por juros altos e perda do poder de compra. E há uma divulgação crescente dos direitos trazidos pela nova lei, tanto pela imprensa quanto por campanhas institucionais — avalia o desembargador Werson Rêgo, da 19ª Câmara de Direito Privado do TJRJ.
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Dívidas acumuladas:
Em vez de os superendividados escolherem qual conta pagar a cada mês, a lei dá direito a uma mesa de conciliação única com os credores. Ou seja, o consumidor propõe judicialmente um plano de pagamento unificado para todas as suas dívidas, com prazo de até cinco anos. As parcelas não podem comprometer o valor destinado à manutenção do mínimo existencial, atualmente fixado em R$ 600. Mas os advogados costumam pedir um aumento dessa margem.
Uma das consumidoras que entrou na Justiça é X., cliente da advogada Danielle Rodrigues. Ela tem uma ação de repactuação de dívidas em andamento na Justiça e busca também negociações com os credores em paralelo. Foi assim que conseguiu quitar uma dívida de R$ 11 mil com uma varejista por R$ 300.
— Geralmente, a gente calcula usar 30% a 45% da remuneração do endividado para a repactuação de dívidas — conta a advogada, detalhando que as negociações em separado podem continuar: — A ideia é negociar dentro do que a gente já estipulou no plano de pagamento. Assim, quando consegue, pede para o juiz homologar o acordo, tira aquele credor do processo e segue com os outros.
Lei não é a única opção
O desembargador Cesar Felipe Cury, presidente do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec/TJRJ), destaca que a aplicação da lei não é automática:
— O consumidor que está em dificuldade, assim que perceber que não conseguirá mais arcar com suas dívidas, pode procurar o núcleo de mediação do Tribunal, contando com a ajuda de um advogado pra apresentar uma proposta.
O magistrado explica que os Centros de Mediação estão preparados para atender superendividados, com mediadores e ferramentas digitais, como o +Acordo, que simplificam as negociações. Ele cita ainda parcerias do Nupemec com universidades, como a UFF, para oferecer cursos de educação e gestão financeira.
Segundo o desembargador Werson Rêgo, a lei permite ao Judiciário ajudar o superendividado a recomeçar com dignidade. No entanto, ressalta que não é a única opção, citando a negociação direta com credores, os mutirões de renegociação, os atendimentos gratuitos para acordos extrajudiciais e a educação financeira, antes que a situação se agrave.
— Quando essas alternativas falham, ou quando o consumidor já está sem condições de pagar sequer o básico, a lei passa a ser a ferramenta mais adequada e protetiva para garantir um recomeço digno — finaliza.
‘Não quero mais ouvir cobrança’, diz X., de 57 anos
Leia depoimento que professora aposentada, que está superendividada:
Eu fui professora do Estado do Rio e estamos onze anos sem reajuste. Me aposentei em 2020, meu salário reduziu muito e, consequentemente, a margem consignada. Foi aí que comecei a me enrolar com empréstimo, mas principalmente após uma enchente em 2022. Moro em Nova Iguaçu e, na ocasião, eu e minha mãe perdemos todos os móveis de casa. Então eu tive que optar entre pagar dívida e sobreviver nesse momento.
Tenho uma dívida no banco que a gerente disse estar em R$ 100 mil, por conta dos juros que foram acumulando. Quando fui tentar negociar, ela falou que podiam tirar minha carteira de habilitação por eu estar inadimplente. Perguntei: “Vo tirar meu direito de ir e vir, com uma filha com deficiência e uma mãe cadeirante?”. Os credores nos ameaçam e eu fiquei preocupada.
Certo dia, uma amiga que é advogada me falou que não era bem assim, que eu tinha direitos, e me recomendou conversar com a doutora Danielle Rodrigues. Contratei os serviços dela este ano e já conseguimos algumas negociações. Quitei uma dívida de R$ 11 mil por R$ 300. Mas só quando eu fizer a repactuação de dívidas, com o acordo total, acho que vou deitar minha cabeça no travesseiro e dormir em paz de novo.
Eu me sinto muito envergonhada pela minha situação. Minha autoestima acabou. Sou aposentada, mas trabalho como psicopedagoga em duas escolas, o que me auxilia. Mesmo assim, toda a minha renda não daria para pagar as parcelas das dívidas que possuo. Eu não quero mais atender ligação e ouvir cobrança ou oferta de novo empréstimo pra eu pagar uma dívida. Quero dizer que não preciso. Agora, consegui concluir com uma bolsa de mais de 70% uma faculdade de Psicologia e vou recomeçar minha vida na área de Saúde.
Onde mais buscar apoio
Procon Carioca
O Procon Carioca conta com o Núcleo de Educação e Atendimento ao Superendividamento do Consumidor (Neascon), criado especialmente para atender pessoas que estão superendividadas. Interessados podem entrar em contato pelos canais oficiais do Procon Carioca, no site (proconcarioca.prefeitura.rio), pelas redes sociais ou de forma presencial na sede do órgão (Rua Aristides Lobo 71, 2º andar), no Rio Comprido. Para iniciar o processo, é importante que o consumidor leve documentos pessoais, comprovante de residência e todos os comprovantes das dívidas: boletos, contratos, faturas ou notificações de cobrança.
O Neascon oferece um atendimento humanizado e especializado, que vai além de intermediar o contato entre consumidores e credores. A equipe técnica elabora um plano de pagamento de todos os credores do consumidor, de forma agregada. Entretanto, em diversas ocasiões, as negociações ocorrem de forma individualizada, uma vez que nem todos os credores aceitam as condições propostas pelo superendividado. Seja qual for a estratégia, o núcleo garante a preservação do mínimo existencial. Também são oferecidas orientações sobre planejamento financeiro e acompanhamento individual, para ajudar o consumidor a retomar o controle da própria vida financeira.
Procon-RJ
O Procon-RJ tem o Núcleo de Prevenção e Tratamento ao Superendividamento, que pode ser acionado através do número de WhatsApp (21) 98263-5085 ou pelo e-mail [email protected], informando sua condição e solicitando o início do atendimento. É pedido o preenchimento de um pré-formulário e a realização de uma entrevista para análise da situação.
O Procon-RJ trabalha nos parâmetros da Lei de Superendividamento e elabora um plano de pagamento dos credores em bloco, com os valores divididos entre os credores de forma proporcional e transparente. O mínimo existencial sempre é garantido. Aprovado pelo consumidor, o documento é levado à Audiência de Conciliação Coletiva e, em caso de acordo, é dado início à quitação das dívidas. O consumidor é informado de todas as condições estabelecidas, sabendo quanto está sendo destinado a cada credor e o prazo previsto para quitação de cada débito.
Além de atuar como intermediário nas negociações com os credores, o núcleo instrui e acompanha a reorganização financeira do consumidor.
Defensoria Pública
Quem se encontra em situação de superendividamento pode ligar para o número 129 ou baixar o Aplicativo Defensoria RJ e procurar atendimento. É necessário responder a uma série de perguntas para entender o perfil financeiro em que a pessoa se enquadra. Em caso de aceitação, o interessado é encaminhado ao Núcleo de Defesa do Consumidor.
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro tem adotado como prática as negociações individuais, com assistência jurídica e articulação com instituições de crédito parceiras, que possibilitam margens melhores para o pagamento das dívidas. À medida que uma dívida é quitada, outra começa a ser paga. A atuação é associada a um trabalho de educação financeira do superendividado, para que ele aprenda a cuidar de seu orçamento.
Serasa
A Serasa oferece uma plataforma ampla de negociação de dívidas chamada Serasa Limpa Nome, que tem site e aplicativo para aproximar o credor do devedor, permitindo que os consumidores negociem com as empresas credoras com condições especiais de pagamento. Além disso, faz atendimentos via Central de Atendimento ao Consumidor (3003-6300), WhatsApp oficial (11) 99575-2096 e mais de 10 mil agências dos Correios, para quem prefere o atendimento presencial, mediante uma taxa. Para o atendimento presencial, é necessário apresentar um documento com foto e CPF.
Além da negociação de dívidas, a empresa investe em ações de educação financeira, com conteúdos gratuitos no Blog da Serasa, no canal do YouTube e na Comunidade Serasa no WhatsApp.
Entenda a lei de 2021
O que é
A Lei do Superendividamento alterou o Código de Defesa do Consumidor e criou uma forma de negociação em bloco das dívidas para as pessoas físicas. Ou seja, permite ao consumidor que tem dívidas com vários credores fazer uma negociação única, criando um plano de pagamentos compatível com a realidade financeira dele. O parcelamento deve cumprir o prazo de até cinco anos, e é nele que a lei garante a preservação de parte da renda para a sobrevivência do endividado.
Mínimo existencial
Em 19 de junho de 2023, foi publicado pelo governo federal um decreto que estabelece R$ 600 como valor do mínimo existencial. Ou seja, pelo menos R$600 para despesas básicas deverão estar protegidos nos acordos.
Quem se enquadra
Por definição, superendividado é aquele que não consegue pagar todas as dívidas e, ao mesmo tempo, manter o mínimo para sobreviver; que adquiriu dívidas de boa-fé, ou seja, tinha a intenção de pagá-las integralmente, mas não conseguiu.
Andamento
O plano de pagamento é apresentado pelo devedor, mas os credores podem fazer uma contraproposta na mesa de conciliação. Se não houver acordo, o juiz pode deferir em favor de uma das partes ou apresentar um novo plano de pagamento.
Negociáveis
Pode ser negociado sob os parâmetros dessa lei: dívidas de consumo; contas de água, luz, telefone e gás; empréstimos com bancos e financeiras; crediários e parcelamentos.
Inegociáveis
O que não pode ser renegociado nessa lei: impostos e tributos; pensão alimentícia; crédito habitacional (como prestação da casa própria); crédito rural e produtos e serviços de luxo.
Benefícios
As principais vantagens do enquadramento na lei são:
- Suspensão imediata: todas as cobranças judiciais e execuções são suspensas logo no início do processo;
- Descontos significativos: embora não haja um percentual fixo, os credores costumam oferecer grandes descontos no saldo devedor (principal mais juros) para viabilizar o acordo;
- Controle de juros: a dívida é reestruturada com juros legais reduzidos e com vedação à capitalização (juros sobre juros) durante o prazo de cinco anos;
- Quitação total: o cumprimento do plano no prazo máximo de cinco anos garante a quitação total e definitiva de todas as dívidas repactuadas.
Limitações
A lei se restringe a nichos específicos, uma vez que exige o mínimo existencial, muito baixo, para quem quer acesso aos seus parâmetros. Além disso, costuma haver resistência dos bancos para negociar em condições justas.
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