Finanças

‘Marcas viram reféns de um problema que não é seu', diz pesquisador sobre avanço da desinformação nas redes

Para Marcio Borges, do NetLab/UFRJ, empresas devem valorizar espaços de transparência na publicidade

Agência O Globo - 14/12/2025
‘Marcas viram reféns de um problema que não é seu', diz pesquisador sobre avanço da desinformação nas redes
Imagem ilustrativa gerada por inteligência artificial - Foto: Nano Banana (Google Imagen)

Diante do avanço da desinformação sobre a reputação das marcas — em processo acelerado pela (IA)—, as empresas deveriam repensar onde posicionam anúncios, afirma o publicitário Marcio Borges. Para o pesquisador associado do NetLab/UFRJ e diretor-geral da agência WMcCann no Rio, as marcas devem priorizar espaços publicitários que garantam atributos como transparência e auditoria.

Quão grave é o fenômeno da desinformação, tão presente na política, no universo das marcas?

Diferentemente da política, esse lado do fenômeno não é tão amplamente pesquisado. Mas existe e explora a confiança que os consumidores depositam nas marcas com o objetivo de aplicar golpes e fraudes. Se você é vítima de um golpista que se faz passar por uma marca legítima, sua relação com a própria marca fica prejudicada. A outra forma recorrente é a tentativa de disseminar desconfiança sobre as marcas, em benefício de concorrentes ou como desdobramento de disputas do universo político, como boicotes. Isso tudo é desinformação.

Mas esses expedientes estão em alta?

Sim. O número de golpes e fraudes usando a confiança e a credibilidade das marcas está aumentando. Investigação da Reuters em novembro mostrou que, internamente, a Meta projetava que 10% das receitas, ou US$ 16 bilhões (R$ 85 bilhões), eram obtidos pela veiculação de anúncios de golpes e produtos proibidos. Parte do total se apoia sobre a reputação de marcas reais e até personalidades. Quando um golpista usa deepfake para se passar por um influenciador, a marca desse profissional é atingida. Há dados que apontam para o aumento dessas práticas, embora o tamanho real do fenômeno não seja claro, já que o modelo de anúncios hipersegmentados é opaco e dificulta auditoria externa. É o ponto mais visível do iceberg.

A disseminação de desconfiança sobre marcas é mais difícil de observar?

É menos estudada, porque seus efeitos se manifestam em um intervalo de tempo determinado. Se alguém espalha o boato de que determinada varejista está com dificuldades de fazer entregas às vésperas da Black Friday, até que se identifique o processo e se tente desmenti-lo, a marca perdeu o cliente.

Mas o que está por trás disso?

Pode ser uma questão concorrencial ou até ideológica. Em um mundo cada vez mais polarizado, marcas que se posicionam acabam sendo alvos frequentes de ataques coordenados, de boicotes. Muitas vezes isso é feito por meio da orquestração de robôs e contas falsas.

Quais são as consequências disso para as marcas?

Há uma migração de confiança. Isso porque o tecido social precisa de confiança para sobreviver. Quando você deixa de confiar em uma marca, tende a procurar outra. Acontece que essa confiança é provisória, transacional. A marca que a recebe terá que entregar o que promete para mantê-la.

A IA está por trás dessa aceleração?

Claro, porque a IA torna mais fácil a manipulação de qualquer tipo de conteúdo e é de difícil detecção. Um exemplo de seu poder é o que aconteceu no festival Cannes Lions, que premiou inadvertidamente, neste ano, uma peça publicitária feita com IA e depois teve que retirar o prêmio. Ou seja: mesmo profissionais que, teoricamente, são os mais bem preparados tecnicamente para identificar o uso indevido de IA foram enganados. Imagine quem não tem preparo ou tempo para se preocupar com isso? A IA também influencia na capacidade de viralização.

Como?

A IA tornou a distribuição de conteúdo falso muito mais fácil e coordenada, de forma que o processo pareça orgânico. Você cria exércitos de robôs, contas inautênticas, comentários que alteram rankings etc.

Como as marcas têm reagido?

Esse é um assunto novo que está começando a ser discutido, mas que muitas vezes só vem à tona quando uma crise estoura. Os bancos, por exemplo, já gastam dinheiro com campanhas inteiras cujo objetivo não é falar sobre atributos positivos, mas fazer com que as pessoas desconfiem de golpes. Fazem um investimento grande para preservar a confiança, porque muitas vezes se tornam reféns de um problema que não é seu. Um passo necessário é buscar espaços de transparência.Como assim?

É a priorização de investimentos publicitários em meios que têm ferramentas de transparência e auditoria sobre a origem das propagandas. Se alguém faz um anúncio fraudulento no jornal, você tem de quem cobrar. A partir do momento em que você só anuncia em locais sérios, o consumidor tende a desconfiar de qualquer anúncio malicioso que explore aquela marca em lugares que não prezam por essa transparência.

Chats de IA generativa estão ganhando espaço como fonte de pesquisa sobre produtos e marcas. Isso pode incentivar a desinformação? transparência sobre como a resposta dessas ferramentas é construída seria essencial para que os consumidores pudessem, de fato, tomar decisões com base nelas. Enquanto não houver transparência, as marcas terão a difícil missão de monitorar permanentemente o que as ferramentas respondem sobre elas.