Curiosidades
Em 'Deixe ir', Carpinejar ensina a filosofia do desapego: 'Saber o que não se quer já é metade do caminho'
Novo livro do poeta e cronista revisa relações de dependência obrigações emocionais: 'Somos vítimas do romantismo, entendemos que amar é sofrer'
Fim de ano é tempo de resoluções e planos para reorganizar a vida. No recém-lançado livro “Deixe ir”, Fabrício Carpinejar propõe a libertação pelo desapego. Para o poeta e escritor gaúcho, seu 2026 será melhor se você descobrir seus próprios limites afetivos e aceitar que nem todo vínculo precisa ser mantido.
Adélia Prado, 90 anos:
Carpinejar, Clarice Lispector, Harry Potter:
— Somos vítimas do romantismo, entendemos que amar é sofrer — afirma o autor, em entrevista por telefone. — Você vai amar quem mais te fez sofrer, o que é uma ideia patológica. E quem ama não consegue ir embora. Isso é terrível.
Escrito como uma carta aberta, em que conversa diretamente com o leitor, “Deixe ir” é uma Marie Kondo do coração. Em vez de organizar armários e descartar objetos, como ensina a influencer japonesa, o autor se dedica a revisar afetos e obrigações emocionais que já não fazem sentido, mas continuam sendo mantidas por culpa, medo ou hábito. Amar é também saber a hora de se afastar.
— Não apoio essa distorção social que entende afeto como renúncia — aponta ele. — Como se você tivesse que se privar de quem você é ou do que você gosta para estar com o outro. Nessas relações, você se torna uma eterna disponibilidade.
Coração portátil
Nascido em Caxias do Sul, na Serra Gaúcha, Carpinejar se mudou para Belo Horizonte em 2016, quando casou com a advogada mineira Beatriz Reys. Para ele, a capital mineira é o porto seguro de uma rotina repleta de deslocamentos. Com 53 livros publicados e 20 prêmios literários (incluindo dois Jabutis), o escritor passa boa parte do seu tempo palestrando pelo país. Paradoxalmente, quanto mais viaja, mais reduz sua bagagem. A vida, afirma, é se despedir das coisas.
— Quanto mais eu sou portátil, mais longe eu posso ir — explica o autor. — Não acumulo relações, me reduzo ao essencial. Quem não tem tempo para nada é porque se ocupa com aquilo que não merece o seu tempo. Saber o que não se quer já é metade do caminho.
Na filosofia do desapego de Carpinejar, o amor não deve ser sacrifício, muito menos obrigação. E isso vale tanto para relacionamentos amorosos quanto para relações sociais e familiares. Há vínculos que são insalubres tanto na amizade quanto no amor. “Dividir o teto não garante proximidade, o que assegura o elo é dividir o destino”, escreve.
— Eu privilegio construções de afeto — diz Carpinejar. — Existe um entendimento de que você não pode se afastar de um familiar mesmo que isso te faça mal. É como se houvesse uma imposição genética. Mas isso não abstrai a escolha. O filho adotivo é capaz de se parecer fisicamente com os seus pais de criação. É o DNA da criação que é muito mais forte que a genética. É o DNA do tempo junto. É o DNA da confiança.
Neste sentido, aquela presença na ceia de Natal não deveria ser tratada como compulsória, avalia Carpinejar. O autor acredita num amor que sabe manter “distância segura”:
— É fundamental lembrar que os terapeutas tiram férias (risos). São os piores momentos. Portanto, não se submeta a torturas, a chantagens psicológicas, afetivas. Se você quer ir no Natal, o.k. Dá uma passada. Mas tenha um plano B. Soube que, para remediar esse desgosto, muitas pessoas têm antecipado as celebrações familiares para início de dezembro, fora da data, para não ter a pressão. Eu vou comemorar com a minha agora no dia 20.
Infância dolorosa
“Deixe ir” mostra como relações afetam nossa própria identidade, impondo sonhos e expectativas. O autor usa suas próprias memórias, voltando a uma infância dolorosa, porém bastante educativa. Aos 7 anos, a escola diagnosticou Carpinejar com “retardo mental” e se negou a alfabetizá-lo. Tinha língua presa, usava botas ortopédicas e sofria bullying por sua aparência (os colegas o chamavam de Freddy Krueger, o monstro da série “A hora do pesadelo).
Após sessões com fonoaudióloga, o pequeno Carpinejar ganhou confiança. Parou de se comparar com os outros meninos da sua idade, preocupando-se apenas com a sua própria melhora. Escolheu a si mesmo. Colocou-se em primeiro lugar.
Dessa experiência, tirou lições valiosas: afastar-se de relações em que não há reciprocidade e não confundir presença com amor. “Após alguns anos, você vai encontrar um jeito de retomar seu sonho”, escreve. “Casamentos terminam quando não há espaço para o sonho.”
— É curioso como as pessoas mais generosas costumam se relacionar com as mais avarentas — observa.
Há, no entanto, um apego do qual o escritor não abre mão, apesar dos muitos sofrimentos que provoca: o Sport Club Internacional. A entrevista foi logo após a vitória do time gaúcho sobre o Bragantino, que garantiu a permanência na Série A na última rodada do Brasileirão. Carpinejar estava rouco no outro lado da linha, de tanto que gritou no dia anterior.
— A vitória do Inter foi aquele milagre terapêutico, né? Foi muito sofrimento, mas o sofrimento ensina.
Dicas para ‘deixar ir’ em 2026
“Amor não é renúncia”: Relações baseadas na privação constante transformam o afeto em obrigação e criam uma “eterna disponibilidade”. Para amar e ser amado, ninguém precisa renunciar à sua própria identidade, aos próprios gostos ou à própria vida. Se não, você trabalhará secretamente para o outro, não mais para os seus projetos e sonhos.
“Saber o que não se quer já é metade do caminho”: Reconhecer limites evita repetir padrões de sofrimento. Quem não define o que recusa acaba aceitando qualquer coisa, inclusive relações abusivas e insalubres. Quem resiste apenas por esperança está em um relação pelo que não houve nela. Admitir as fronteiras e aprender a dizer não sem culpe autoproteção.
“Que o tempo perdoe, não você”: Perdoar a contragosto é negar a si mesmo e ampliar a tirania do outro. Não dê perdão a quem você não acha justo. Fingir que você não foi impactado pela decepção não lhe fará uma pessoa melhor. Em muitos casos, perdoar é se afastar e encerrar um ciclo, não recomeçá-lo.
“Jamais se deve voltar a um lugar de onde se esforçou para sair”: Nas situações de idas e vindas, o casal costuma ser formado por um tipo dominador e um tipo romântico. Não dá para vencer a manipulação, pois é o dominador que nunca está satisfeito e cria culpa, e o romântico que sempre oferece mais. Quando se retorna ao lugar da ferida, o único que sangra é você
“Você não precisa dessa herança maldita”: Não carregue culpas que não lhe pertencem nem repita dinâmicas que não escolheu. Padrões familiares ou afetivos explicam quem você foi, mas não determinam quem você precisa continuar sendo. Herança é o que se recebe depois da morte, legado é o que se constrói em vida. Crescer também é interromper ciclos.
“Só se importa quem se entregou”: A dependência atinge quem mais se sacrifica, quem investe emocionalmente. Esses são os que acabam pagando o preço. Por outro lado, quem nada trabalhou para a cumplicidade não sente o tempo perdido. E está livre para o futuro, longe de você.
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