Curiosidades
Chay Suede estreia no teatro em peça assinada por Felipe Hirsch e Caetano Galindo, que embaralha vida real e ficção: ‘Fiz desse encontro um divã’, diz artista
Com linguagem de falso documentário, espetáculo 'Peça infantil — A vida e as opiniões do cavalheiro Roobertchay' mistura verdades e mentiras de parte da trajetória (surreal) do ator: 'Vou ter alta na análise', brinca ele
Chay Suede
Mais Chay Suede.
Angélica.
A partir de então, o que sai daquela boca coberta por um charmoso bigodinho é um mix de fato ou fake. Uma costura que liga histórias inacreditáveis, reais e oficiais da vida do artista, a ficções criadas pela dupla Felipe Hirsch e Caetano W. Galindo.
O diretor e encenador assina, junto com o escritor e tradutor, a dramaturgia de “Peça infantil — A vida e as opiniões do cavalheiro Roobertchay”, que marca a estreia do ator nos palcos em 15 de janeiro, no Teatro Casa Grande, no Rio. Em março, as apresentações acontecem no Cultura Artística.
O projeto é definido como um “espetáculo adulto, humorístico-filosófico”, que recria, de forma livre e nada literal, passagens da infância e da adolescência do ator, misturadas a referências de obras clássicas da literatura, como “A vida e as opiniões do cavalheiro Tristam Shandy” (Laurence Sterne) e “Memórias póstumas de Brás Cubas” (Machado de Assis).
São 12 capítulos que partem das experiências de Chay (em ordem cronológica e antes da notoriedade) para tratar de temas como fama, influência, narcisismo, autenticidade, consumismo e mercantilização da imagem. Tudo numa linguagem de pseudo ou falso documentário. Ou ainda um mockumentary, como fez Martin Scorsese com Bob Dylan em “Rolling thunder revue: A Bob Dylan story”.
Chay Suede:
Pedro Bial.
O que está posto embaralha o conceito tradicional de biografia e autoficção num contexto em que realidade e imaginação se entrelaçam e deslocam a figura pública do indivíduo privado para o personagem Cavalheiro Roobertchay. A única coisa certa no jogo é que não interessa revelar verdades e mentiras. Mas até chegar nessa proposta...
Toc, toc, toc, é Chay Suede
Tudo começou com Chay batendo na porta de Felipe com uma certeza na cabeça e um livro na mão. Desejava estrear nos palcos conduzido por seu diretor teatral preferido, de quem havia assistido boa parte da obra. Propunha encenar o romance que estava lendo.
Os dois sequer se conheciam, mas, de cara, Felipe disse: “Sim!”. O nome mais supercult dos tablados brasileiros já tinha ouvido “coisas maravilhosas” sobre o ator superpop. Sabia bem que seu talento ia muito além daquele revelado pela primeira vez na novelinha teen “Rebelde”. E sentiu firmeza na abordagem assertiva dele, confiança de que o rapaz não estava ali a passeio. A única dúvida era sobre quanto à obra sugerida. Seria o melhor caminho para aquele match acontecer?
Não demorou para Felipe entender que não. A ficha caiu no desenrolar de encontros, para os quais convocou Galindo, parceiro em espetáculos como “Língua brasileira” e “Fantasmagoria IV”, e de quem Chay havia acabado de ler “Latim em pó”. Em meio a troca de ideias e investigação de possibilidades, Chay contava suas histórias.
Uma vida com tintas tão surreais que soavam como lorotas de pescador. Que começa no momento de seu batismo com um nome fruto de uma língua própria inventada por seu avô, Salustiano. Batismo esse que deixou o bebê imerso na água por três minutos, num caldo que, reza a lenda, talvez teria feito nascer seu talento para a apneia.
Apneia que seria fundamental na adolescência para que nadasse ao lado de tubarões dentro de um enorme tanque. O balé entre o menino e as feras era atração principal da Expo Tuba, ideia “genial” de seu pai empreendedor, o Roobertchay original.
Ele também foi criador do Desafio Alienígena, que reconstruía casos de avistamentos de extraterrestres. Dentro de uma malha justa ao corpo e o rosto escondido por uma máscara, Chay animava o público — e era apalpado por mulheres que, instigadas pelo anonimato, protagonizavam cenas quentes de altas pegações.
Pronto. Não precisava de mais nada para o filho de uma mãe neopentecostal (que, certa vez, usou um desenho que o menino lhe dera de presente para embrulhar um copo quebrado antes de jogar no lixo) e de um pai presbiteriano (que chorava com suas redações) fisgar Felipe. Àquela altura, o diretor já tinha certeza do rumo que o projeto precisava tomar. Afinal, que histórias poderiam ser melhores que aquelas?
— Fiquei interessadíssimo. O que me vinha à cabeça era o Malcolm McLaren falando do Johnny Rotten, do Sex Pistols. Ele era um ready-made para o que queria fazer. E eu tinha na frente outro ready-made dos tipos de assuntos de que desejava falar: sobre o que é verdade ou não hoje, sobre figuras que vendem — afirma Felipe. — Só que nem sempre essa pessoa tem o humor, a classe e a inteligência do Chay, que percebeu tudo rápido. Não era que estava enganando um ser humano frágil (risos). Ele falou: “Acho que essas histórias ficariam boas”. Então, eu disse: “Posso?”. Ele: “Pode”. E aí eu falei para o Galindo: “A gente tem uma vítima”.
A vítima encarou um processo que começou com o incômodo de ver histórias tão próximas e íntimas expostas. Até ir conseguindo se distanciar e acessar uma racionalidade que permitiu compreender o protagonista como um dos tantos personagens que já interpretou. Entrar numa frequência de zero julgamento. Olhar de fora para o misto dele mesmo e do outro — esse, sim, protagonista daquelas aventuras inventadas ou não — foi a virada de chave necessária para conseguir relaxar.
— Primeiro, veio a emoção de lidar com coisas que nunca tinha lidado externamente. Fiz do nosso encontro um divã. Talvez, consiga alta na análise (risos) — brinca Chay. — Não fazia ideia do que interessaria. Talvez, as coisas mais interessantes para mim nem eram as mais interessantes para Caetano e Felipe. Eles escolheram algumas histórias cabeludas, mas também não escolheram outras, o que agradeço muito (risos). Porque seria difícil lidar com certas coisas... É bom dizer que as pedradas vêm aí (risos). A ficção está em como as histórias foram ouvidas por Felipe e Galindo e não como aconteceram de fato. Viraram outra coisa e, hoje, lido com elas como ficção.
Passar a limpo parte de sua trajetória fez o ator se enxergar com mais carinho. O mesmo aconteceu com outros personagens envolvidos — e aí, além do carinho, inclua também "desprezo, alegria, tristeza, graça...", enumera o ator.
Chay não tem a mais vaga ideia de como sua família vai reagir à peça — ainda que, como dito várias vezes, não haja a menor intenção de contar a história real da vida do ator.
— Quem souber, morre! É uma curiosidade que tenho. Pensei muito sobre prepará-los ou não. Acho que não vou preparar ninguém...
Peça foi escrita em 24 horas por Galindo
Escrita em 24 horas por Caetano W. Galindo após processo de construção que levou meses, “Peça infantil — A vida e as opiniões do Cavalheiro Roobertchay” é o 51º espetáculo da trajetória de Felipe Hirsch.
A parceria entre os dois, que trabalham em horários alternados, já que Galindo acorda cedo e Felipe vara a madrugada, tem se intensificado a cada projeto.
— Houve um momento em que eu disse assim: 'Pelo amor de Deus, nunca mais deixe de me convidar'. Daí, acho que Felipe deu por resolvido de que estamos casados —, brinca Galindo.
A estreia de Chay Suede no palco, é portanto, fruto desse casamento. E ele explica sua sensação:
— É como se estivesse aprendendo a andar, tenho a sensação de que não sei fazer nada — conta o ator, detalhando os motivos que lhe despertaram a vontade de fazer teatro. — Estava cansado, e tinha a ver com estar fazendo novelas há muito tempo. Você sabe bem, Maria, o quanto gosto e tenho prazer em fazer novela. Mas por nunca ter feito teatro, era algo que estava na minha cabeça. Não só para dar check numa lista de coisas que um ator precisa. Queria fazer um teatro específico. Com Felipe.
O sonho era integrar o elenco de uma peça do encenador. Chay nem imaginava que ganharia um espetáculo próprio — e com a caneta de ninguém menos que Galindo.
— Foi tipo papai do céu falando: “Filho, quer fazer teatro? Faça com eles!” — brinca.
Para Felipe, o projeto conversa suas encenações anteriores.
— Sinto que estamos nesse assunto - Narciso, de certa maneira - há três trabalhos, de jeitos diferentes. "Autorretrato", "Fantasmagoria"... Não digo que é uma trilogia, porque hoje todo mundo quer fazer trilogias. Mas são trabalhos que dialogam. A gente pega um ator que tem uma série de características, como a inteligência de perceber que pode fazer o que está fazendo, para falar de autenticidade, da importância que a gente dá à verdade, da realidade que a gente vive, sobre qual o tamanho da artificialidade das nossas narrativas também — analisa o diretor. — Gosto porque é um espetáculo que tira a semântica de algumas cenas, trabalha com figuras de linguagem que provocam o público a não ter um final, algo que queiram dar por realizado — analisa o diretor.
E ele, agora, segue retribuindo a jogada de confetes sinceros de Chay:
— A única coisa que lamento é Chay ter mentido para mim dizendo que nunca fez teatro (risos). Vão aparecer registros — diz Felipe. — Há coisas estranhas no fato de como ele se coloca no palco, a voz... Como o texto que tem linguagem do século XVIII sai fácil de sua boca a ponto de eu achar que ele está inventando... Aí, vou lá conferir e vejo que está dizendo exatamente o que está escrito. Chay entra nesse projeto com vontade e dedicação, com a coragem que ele tem em relação a lidar com sua própria figura.
Galindo faz coro:
— Chay teria zilhões de maneiras de subir num palco e encantar a plateia falando da própria vida. Também haveria muitos jeitos fáceis de fazer esse pseudo-documentário semi-irônico. A gente cresceu no Brasil dos anos 1980, viu isso ser feito, sabemos fazer. Mas o que essa peça tenta fazer é singular, não tem paralelo. Não é a apresentação da vida, embora, às vezes, seja fiel às coisas malucas da vida do Chay. Não é a coisa irônica de piscadinha e olhada de lado. É ele rindo dele mesmo, não se levando a sério.
Não se levando a sério e, ao mesmo tempo, e se colocando no jogo sem rede de proteção.
— Lembro de uma conversa forte que tive com pessoas de teatro. Estava escrevendo o que vinha a ser a minha primeira peça, e falei: "Gente, imagina, não pode pôr isso, tem a ver com o passado da atriz". E o pessoal falou: "Não, é exatamente por isso que ela faz teatro. Foda-se a vida dela, ela faz teatro!". Se tem uma coisa que tenho aprendido com o povo do teatro, é que, em geral, eles não têm o menor escrúpulo quanto a se poupar ou se defender — diverte-se Galindo.
No que Felipe completa:
— É, é sobre se expor, exatamente sobre isso.
No mais, senhoras e senhores, é como diz uma das últimas frases da peça: Segue o mundo do scroll infinito.
Maria Fortuna viajou a convite da produção do espetáculo
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