Entre pênaltis, buracos e direitos: o Brasil que luta, sangra e resiste

18/12/2025
Entre pênaltis, buracos e direitos: o Brasil que luta, sangra e resiste

I — Quando perder também é vencer: o Flamengo e a dignidade diante dos bilhões

Há derrotas que doem. E há derrotas que ensinam. A do Flamengo, na decisão do Mundial diante do Paris Saint-Germain, pertence à segunda categoria — aquela que não diminui, engrandece.

O Flamengo entrou em campo não apenas com onze jogadores, mas com cerca de 50 milhões de torcedores espalhados pelo Brasil e pelo mundo, carregando no peito um escudo que não conhece a palavra rendição. Do outro lado, um time financiado pelo dinheiro infinito do Catar, repleto de estrelas globais, cifras astronômicas e um elenco que custa o equivalente ao orçamento de pequenas cidades brasileiras.

E ainda assim, o Flamengo não se curvou.

Levou o jogo até onde deu. Suportou pressão, respondeu com raça, jogou com inteligência e coração. Foi além do tempo regulamentar, enfrentou a prorrogação e levou a decisão para o território mais cruel do futebol: as penalidades máximas. Ali, onde não se mede apenas técnica, mas nervo, alma e história, o Flamengo acabou superado por 2 a 1.

Mas quem assistiu ao jogo sabe: o Flamengo não perdeu sua grandeza nos pênaltis.

Pelo contrário. Saiu maior. Saiu respeitado. Saiu reafirmando seu lema eterno — vencer, vencer, vencer — mesmo quando o placar não registra a vitória. Porque há partidas que se vencem no espírito, na entrega e na dignidade.

O Flamengo mostrou ao mundo que o futebol ainda pode ser humano em meio à indústria bilionária. Que camisa pesa. Que tradição incomoda. E que, mesmo diante do dinheiro infinito, há coisas que não se compram: identidade, paixão e história.

O torcedor rubro-negro perdeu um título, mas ganhou orgulho. E isso, convenhamos, não tem preço.

II — Entre a esperança e o caos: o Hospital do Médio Sertão e a cidade esburacada

Enquanto o Flamengo disputava o mundo, Palmeira dos Índios disputava a própria sobrevivência cotidiana. Uma cidade que vive dias paradoxais: esperança de um lado, destruição do outro.

A expectativa pela inauguração do Hospital do Médio Sertão, prometida para esta sexta-feira, dia 19, é real, legítima e necessária. Trata-se de uma obra que transcende limites municipais. Não é apenas um hospital para Palmeira, mas para toda uma região historicamente esquecida, onde a saúde sempre foi sinônimo de fila, transferência às pressas e sofrimento silencioso.

O novo hospital representa alívio. Representa dignidade. Representa a chance de salvar vidas mais perto de casa.

E nisso, Palmeira dos Índios merece aplausos.

Mas enquanto se inaugura um hospital, a cidade sangra pelas ruas. Literalmente esburacada, ferida, mutilada pela ação desastrosa da Águas do Sertão, concessionária que assumiu o abastecimento após vencer licitação e comprar a Casal com autorização política do passado — um passado que atende pelo nome de Júlio César, o ex-prefeito que ainda parece acreditar que governa do Olimpo.

O problema é que o imperador imagina Palmeira no céu, quando o povo vive no inferno.

Ruas abertas, buracos abandonados, poeira, lama, prejuízo para comerciantes, risco para pedestres e motoristas. A cidade virou um grande canteiro de obras sem planejamento, sem respeito e sem conclusão. A concessionária cava, some e deixa o caos como cartão de visita.

O hospital chega como alívio para a dor do corpo.
Mas quem vai cuidar das feridas da cidade?

Palmeira dos Índios vive esse contraste brutal: um equipamento de saúde moderno surgindo em meio a uma cidade doente de descaso administrativo e irresponsabilidade empresarial.

A esperança não pode ser usada como maquiagem para esconder o desastre urbano. O povo agradece o hospital — mas exige respeito às ruas, às casas e à própria vida cotidiana.

III — O STF, o marco temporal e o fim de uma aberração jurídica

O terceiro tema não é apenas local. É nacional. E histórico.

O Supremo Tribunal Federal formou maioria definitiva contra o chamado marco temporal, sepultando uma das maiores aberrações jurídicas já concebidas contra os povos indígenas no Brasil. O STF fez o que se esperava de uma Corte Constitucional: defendeu a Constituição.

O marco temporal tentava impor uma mentira histórica: a de que só teriam direito às terras indígenas os povos que estivessem nelas em 5 de outubro de 1988. Ignorava expulsões, massacres, violências e deslocamentos forçados ocorridos antes dessa data. Era uma tese conveniente para interesses econômicos — e cruel com a história real do país.

O Supremo disse não.
E disse com autoridade.

E aqui é preciso deixar algo muito claro: o STF é a última palavra. Nenhuma PEC, nenhuma maioria ocasional do Congresso Nacional, nenhum humor político de plantão pode se sobrepor à Constituição. A questão indígena é cláusula pétrea. Não pode ser mutilada por emenda, barganha ou pressão.

O controle de constitucionalidade pertence ao Supremo. E ponto final.

O Congresso pode até insistir, pode tentar tensionar, pode fazer barulho. Mas a Constituição não se dobra à vontade momentânea da maioria. Esse é justamente o papel do STF: proteger direitos fundamentais quando eles se tornam incômodos.

A vitória indígena é, na verdade, uma vitória da Constituição. E também da civilização jurídica mínima que ainda sustenta este país.

Em tempos de ataques às instituições, o Supremo cumpriu seu dever. E quando isso acontece, não se trata de ativismo — trata-se de responsabilidade histórica.

Epílogo

Do Maracanã ao Médio Sertão.
Dos pênaltis do Flamengo às ruas esburacadas de Palmeira.
Da luta em campo à luta constitucional dos povos indígenas.

O Brasil segue sendo esse país intenso, contraditório, apaixonado e ferido — mas ainda capaz de resistir, lutar e, vez ou outra, fazer o que é certo.

E talvez seja isso que nos mantenha de pé.

Vladimir Barros

Vladimir Barros

É advogado militante, formado pela Universidade Federal de Alagoas e pós-graduado em Direito Processual e Docência Superior. Jornalista filiado ao Sindjornal/FENAJ, é membro efetivo da Associação Alagoana de Imprensa (AAI) e da Associação Brasileira de Imprensa; Editor do Jornal Tribuna do Sertão. É também membro da Academia Palmeirense de Letras (Palmeira dos Índios) e fundador da Rádio Cacique FM.