A farsa democrática da familiocracia
Em Alagoas a política local carrega um traço ainda mais profundo e enraizado: o da perpetuação de oligarquias familiares. Nos pequenos e médios municípios do Estado, o poder é um bem de família, passado de mãos como herança. Quando um prefeito, após dois mandatos, "deixa o cargo", o que se vê não é a despedida de um governante, mas uma troca simbólica, como se a caneta do poder, esse poderoso artefato do mando, nunca saísse de seu alcance.
A regra não escrita é simples: sai o prefeito, entra a tia. Ou o sobrinho. Talvez o primo. Em algumas situações, é o genro, em outras, a cunhada. Mas o poder nunca deixa o sobrenome. É como um jogo de cadeiras onde ninguém fica de pé, exceto o povo, cansado e alheio, assistindo a um teatro que insiste em se repetir. Os protagonistas mudam o rosto, mas mantêm o discurso: "É para continuar o legado."
E o que seria esse legado? Obras inacabadas, escolas caindo aos pedaços, estradas esburacadas e promessas que se acumulam como papéis amarelados nos arquivos das prefeituras. Enquanto isso, as contas públicas sustentam famílias que vivem em paralelo a qualquer crise econômica, como uma nobreza provinciana que nunca perde a majestade.
Familiocracia: o novo nome do coronelismo
Nas últimas décadas, os coronéis que comandavam com punhos de ferro e cabos eleitorais fiéis deram lugar àquilo que os analistas políticos têm chamado de "familiocracia". Trata-se de uma oligarquia disfarçada de democracia, onde o povo não escolhe, mas legitima dinastias. E em Alagoas, este modelo não é exceção; é a regra.
Os dados confirmam o que o senso comum já denuncia. Em mais da metade dos municípios alagoanos, o controle político está nas mãos de clãs familiares. Não é incomum encontrar tios deputados que destinam verbas a prefeituras comandadas pelos sobrinhos; primos vereadores que fazem oposição teatral, enquanto a pauta real é acordada no almoço de domingo. Alianças políticas são costuradas no quintal de casa, não no plenário.
Em muitos casos, a justificativa para essa perpetuação é a "confiança". Quem melhor para suceder um mandato em que o povo é adestrado à rédea curta do que alguém da própria família? A lógica soa quase ingênua, como se política fosse um negócio familiar e não uma função pública. O prefeito que "passa a caneta do poder" acredita que ela é um bem pessoal, como o título de propriedade de uma fazenda.
Se existe um protagonista esquecido nessa história, é o povo. Eleito para ser o verdadeiro soberano do sistema democrático, o cidadão comum é relegado ao papel de figurante. Participa a cada quatro anos, em filas de votação que servem apenas para validar um roteiro já escrito.
A eleição, nesses cenários, não passa de um ritual burocrático. Há festas, foguetes, promessas renovadas, mas o desfecho é conhecido. O marketing eleitoral apenas aperfeiçoou a maquiagem, mas o rosto é o mesmo. "É a continuidade que o povo quer", dizem. Será mesmo? Ou seria a continuidade de um modelo que, há gerações, mantém a desigualdade, o clientelismo e o atraso?
A familiocracia não é apenas uma afronta ao conceito de democracia; é também um obstáculo ao desenvolvimento. Municípios que poderiam avançar em infraestrutura, educação e saúde permanecem estagnados, prisioneiros de interesses familiares que priorizam o poder sobre o progresso.
Enquanto a caneta passa de sobrinhos para tios, de tios para sobrinhos, o que se perde é a oportunidade de renovação. Ideias novas não têm espaço em um sistema onde o status quo é perpetuado por laços de sangue. Pior ainda, muitos desses clãs não governam com base em projetos públicos, mas em interesses privados, desviando recursos e favorecendo contratos com empresas de fachada que, não por acaso, também têm sobrenomes conhecidos.
Romper essa dinâmica exige coragem e engajamento popular. O voto, apesar de constantemente manipulado por promessas vazias e benefícios imediatos, ainda é a arma mais poderosa que o cidadão possui. Mas é preciso mais do que isso: educação política, transparência na gestão e um sistema de controle que impeça o abuso do poder familiar.
O caminho para quebrar o ciclo da familiocracia é longo e árduo. Mas ele passa, necessariamente, pela conscientização de que o poder público não é uma extensão do poder privado. A política como ela é, em Alagoas e em muitos outros rincões do Brasil, precisa urgentemente ser confrontada com a política como deveria ser: uma ferramenta de transformação, e não um palco para dinastias.
Até lá, continuaremos assistindo ao mesmo espetáculo, onde os nomes mudam, mas os sobrenomes, esses permanecem.