A sede das massas
Dizem que as massas nunca tiveram sede de verdade, como afirmou Freud. Talvez ele estivesse certo. A verdade, nua e crua, é amarga demais para ser consumida em goles largos. As pessoas querem aquilo que as conforta, que as mantém em movimento, como se fossem atores numa peça cuidadosamente roteirizada, onde a realidade não passa de um incômodo pano de fundo. A ilusão, por outro lado, essa sim é embriagante. Ela colore os dias e preenche o vazio existencial com uma narrativa que faz sentido, mesmo que esse sentido seja uma farsa.
Pensemos no cotidiano, nos discursos políticos, nas promessas vazias de campanhas eleitorais. Quantos preferem acreditar na utopia de um futuro próspero, mesmo quando os sinais evidenciam o contrário? O que se espera, afinal, de quem, ano após ano, deposita sua confiança em líderes que não trazem mudanças? A resposta é simples: esperam um sonho. As massas querem ilusões, porque, sem elas, a vida se tornaria insuportavelmente concreta. E a verdade, como uma pedra no sapato, machuca demais para ser ignorada.
Freud sabia disso, claro. Entendia que o ser humano, para manter-se de pé, precisa de um horizonte inalcançável, de uma utopia que jamais será atingida, mas que continua a mover a engrenagem da esperança. Não se trata de uma sede pelo conhecimento profundo, mas pela doce sensação de que tudo, de algum modo, pode melhorar — ainda que, no fundo, ninguém acredite realmente nisso.
No entanto, por que essa necessidade de ilusões? Seriam as massas incapazes de lidar com a verdade? Talvez. A verdade tem um preço alto demais. Ela exige autocrítica, reflexão, mudança. E, acima de tudo, exige coragem. Coragem para abandonar o conforto das velhas narrativas, das histórias bem contadas que explicam o mundo com um verniz de simplicidade. Coragem para aceitar que as respostas fáceis são, na maioria das vezes, mentiras bem arquitetadas.
É mais fácil seguir o fluxo, acompanhar a maré, gritar com a multidão. A ilusão oferece isso: a segurança de não estar só, de fazer parte de um todo, mesmo que esse todo seja construído sobre fundamentos instáveis. Quem, afinal, deseja o fardo de carregar a verdade quando a ilusão é tão mais leve, tão mais colorida?
Assim, a história se repete. As massas seguem alimentando-se de ilusões, enquanto a verdade, solitária, observa à distância, aguardando o dia em que alguém tenha sede suficiente para se arriscar a prová-la.
Mas até lá, Freud continua ecoando em nossas mentes: a ilusão é o néctar das massas, e a verdade, ainda que amarga, é para poucos.