O carnaval do velho folião

08/02/2024 18h06 - Atualizado em 10/02/2024 14h02
O carnaval do velho folião

Em meio à folia efervescente que toma as ruas em ondas de axé e até funk, há um velho folião que se recosta na cadeira de balanço, deixando-se embalar não pela batida dos instrumentos modernos, mas pelas melodias doces e nostálgicas de um carnaval que já não volta mais. No seu olhar distante, brilham as lembranças de um tempo em que o carnaval era feito com confetes, serpentinas, talco, lança perfume e marchinhas, com sambas e frevos que contavam histórias, risos e amores em notas musicais.

Era um tempo em que as ruas se enchiam de fantasias simples, mas carregadas de imaginação e alegria. Não havia necessidade de grandes aparatos ou sonoridades estrondosas; a magia residia na simplicidade de se estar juntos, de compartilhar a alegria pura que emanava de corações e pés descalços, dançando ao ritmo do balancê.

"Ô balancê, balancê,
quero dançar com você..."


Os versos dessa música ecoam na memória do velho folião, trazendo à tona a composição imortal de João de Barro interpretada com maestria por Gal Costa, que parecia pintar o ar com cores vibrantes e sentimentos palpáveis.

O carnaval de outrora era um encontro de almas, onde cada rua se transformava em um palco de reencontros, cada esquina guardava uma nova aventura, e os blocos de rua eram famílias temporárias, unidas pelo desejo comum de celebrar a vida em sua forma mais pura. O velho folião recorda com um sorriso as batalhas de talco, as serpentinas lançadas ao vento criando arco-íris efêmeros, e os confetes que pareciam estrelas cadentes durante o dia, promessas de felicidade lançadas aos céus.

Hoje, observando a festa, sente um doce pesar no coração. O carnaval cresceu, se transformou, e com ele, a cidade e as pessoas também mudaram. Os dias de festa agora lhe parecem uma maratona que seus pés já não conseguem acompanhar, mas seu coração ainda pulsa no ritmo das marchinhas que um dia embalaram sua juventude.

"... Entra na roda, morena pra ver
o balancê, balancê..."


murmura os versos da música, seguindo com os olhos a dança das folhas levadas pelo vento, como se nelas visse os antigos carnavais a desfilar.

O saudosismo o abraça suavemente, não como uma recusa ao presente, mas como um convite para que as novas gerações descubram, no centro de suas próprias folias, a essência daquela alegria simples e genuína. O velho folião, com a sabedoria dos que já dançaram muitos carnavais, sabe que a verdadeira magia da festa reside no espírito de união e na capacidade de encontrar beleza na simplicidade.

Assim, mesmo que os carnavais do passado permaneçam guardados na parede da memória, ele entende que cada confete, cada serpentina lançada, cada porre de lança perfume tomado, cada nota de "Balancê" cantada, continua a ecoar pelo tempo, tecendo novas lembranças e esperanças, unindo passado e presente em uma dança eterna.

“...Eu levo a vida pensando
Pensando só em você
E o tempo passa e eu vou me acabando
No balancê balancê"


E com um suspiro de contentamento, o velho folião se permite um último balanço na cadeira, fechando os olhos para ver, no palco da mente, o carnaval que nunca se vai, aquele que vive eternamente no coração de quem já foi e sempre será folião.