O erotismo da elegância
Recentemente, uma amiga me relatou que saiu de casa cedinho, antes do horário comercial, e foi assediada por um homem. Ela me descreveu a situação estarrecida, não por ter sido algo inédito, e sim, porque apesar de ser algo corriqueiro para as mulheres brasileiras, ainda há as que se recusam a se acostumar com o absurdo. Resolvi, então, escrever sobre esse tipo de episódio e começo com um trecho da fala de minha amiga: “Gente, a pessoa indo trabalhar cedo, um homem assediando na calçada 8 da manhã, no maior sol, param qualquer coisa que estiverem fazendo. Por que são assim? Gente, não...eu fico horrorizada! a pessoa horrorosa na rua logo cedo. Teve uma vez que eu pensei em parar e falar: moço, pelo amor de Deus, nem dez horas são, nem horário comercial, pelo amor de Deus.”
Foi um papo entre amigas e é tão chocante, que precisamos ironizar o conteúdo com um certo humor, mas, não porque achamos qualquer coisa de engraçada no ocorrido, mas simplesmente por ser da ordem do ridículo. Não existe hora ou roupa certa, para que um homem se sinta no direito de subjugar uma mulher, mostrar que é dono do espaço público e que o os corpos femininos são de seu domínio. É como se quase precisássemos agradecer por nos ser permitido continuarmos nosso trajeto. Imagino que ele diga pra si mesmo: “Você só continuou a caminhar, porque eu deixei”. ASSUSTADOR!
Alguns homens reivindicam veementemente o direito de assediar e muitos com a justificativa estúpida de que estão fazendo um favor para a “pobre coitada” que um dia irá chegar aos 30 anos e, a partir desse ponto, vai reconhecer o quão valioso é ser importunada nas ruas por um aleatório qualquer e desqualificado. Tem cabimento uma palhaçada dessa?
Para além do machismo e da misoginia serem práticas perversas, faço questão de acrescentar um ponto que me é muito caro, a deselegância desse tipo de comportamento. As cenas recentes do reality show global Big Brother Brasil (2024), que escancararam homens numa posição extremamente confortável analisando um corpo feminino - que eles juram existir para servi-los - fez os olhos e os ouvidos de muitas mulheres sangrarem. Ao assistirmos uma crítica ao corpo alheio em rede nacional, percebemos o quão feio é esse costume, no mínimo extremamente deselegante.
O respeito, a sensibilidade e a elegância, são afrodisíacos para mulheres com letramento de gênero e maturidade. Não há erotismo no olhar destes homens. E não existe a menor possibilidade de uma mulher que se sabe ser-humano-subjetivo, se sentir atraída ao captar um olhar que carrega em suas intenções, o desprezo. Se só é possível amar, ao passo que admiramos o outro, qual a probabilidade hoje, de uma mulher admirar um homem hétero? E qual a possibilidade de um homem amar uma mulher ser-humano-subjetivo com direitos?
Regras demais são broxantes, não é mesmo? Alguns devem estar pensando...sempre faço questão de ressaltar que essa é a perspectiva de uma mulher que vive na sociedade brasileira e você, homem, que está lendo esse texto e vive na mesma sociedade, pensa, sente e age de acordo com ela. Se algumas constatações acerca das assimetrias nas relações homem e mulher e as denúncias cotidianas sobre as violências heteropatriarcais te fazem perder “o eros”, sinto lhe dizer, mas você nunca o teve. O erótico não segue a lógica do capital, não é imediatista, está mais perto da idade dos astros e sabe gozar de uma apreciação do ser em sua completude.
Minha utopia é a elegância dos homens, para com mulheres livres.