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Entre duas vidas e uma história

13/05/2022
Entre duas vidas e uma história

Ao volvermos nossos olhos para os dias que foram sepultados sob as sombras de antanho, temos a oportunidade de conhecer melhor quem nós somos e, se olharmos para esses tempos que se foram com o devido zelo e atenção, poderemos inclusive obter um vislumbre daquele que nós podemos e devemos ser se, é claro, estivermos com o coração aberto para aprendermos o que a História, a mestra da vida, tem a nos ensinar.

Por exemplo, quando deitamos nossas vistas nas primeiras páginas dessa aventura que é a formação deste país que dizem ser gigante pela sua própria natureza, nos defrontamos com inúmeras figuras, uma mais curiosa que a outra. Dentre elas, podemos destacar nessas linhas o senhor Tomé de Sousa, o primeiro Governador Geral do Brasil que, entre outras coisas, fundou a primeira capital da Terra de Vera Cruz.

Acho curioso que o nome do primeiro Governador Geral dessas paragens seja o mesmo do apóstolo de Nosso Senhor que teve seu coração ferido pela dúvida. São Tomé, como todos nós sabemos, disse que apenas iria crer se tocasse nas chagas de Jesus Cristo ressuscitado. E ele tocou-as e creu.

Após isso, conforme nos foi ensinado pela tal da História, São Tomé rumou para a direção das Índias para levar o Santo Evangelho.

Lá chegando, colocou-se a serviço de um rei que o contratou para construir um magnífico palácio. Porém, porque sempre nessas paradas há um porém, toda a grana que era destinada à construção do tal palácio era distribuída por São Tomé aos mendigos, viúvas, órfãos, necessitados e doentes.

Ao saber desse fato, o rei ficou pau da vida e chamou-o para ter um tête-à-tête com Tomé que, por sua deixa, não mentiu. Disse que estava construindo, sim, um magnífico palácio, porém, não no seu reino de pó e sombras, mas sim, no reino dos Céus.

Bem, se o rei entendeu ou não o que o santo apóstolo estava fazendo é outra história. O que nos interessa lembrar é que Tomé de Sousa não foi para as Índias Orientais, mas sim, para o Brasil, para “as Índias Ocidentais”.

Ao chegar aqui ele ficou hospedado algum tempo na casa de Caramuru e, segundo as ordens do rei D. João III, ele deveria edificar uma fortificação na chamada Vila dos Pereiras para dar início às outras providências da empreitada colonizadora.

Todavia, algo dizia para ele que aquele não seria o melhor local para construção de uma fortificação e, por estar com seu coração tomado pela dúvida, similar ao coração de seu homônimo, ele mandou rezar uma Missa ao Espírito Santo, pedindo ao Altíssimo para que Ele alumiasse o seu entendimento e o ajudasse a encontrar um local apropriado para a construção da tal fortificação e assim fundar a capital do Brasil.

Missa rezada, prece atendida. A fortificação foi edificada noutro local e recebeu o nome de Salvador, em honra de Nosso Senhor Jesus Cristo.

As obras iniciais foram realizadas com muito zelo e prontidão, pois o tempo urgia. Inclusive o próprio Tomé de Sousa, o primeiro Governador Geral, colocou a mão na massa, puxando palanques e mexendo a massa de barro para fazer as paredes de pau-a-pique e bem como as de estuque.

Diante de um e outro Tomé, podemos olhar para a nossa porca vida e nos perguntar: qual é a nossa fortaleza nesta vida? Qual seria a fortaleza de nossa alma? Como nós a edificamos? Com que matéria nós construímos e do que estamos nos defendendo?

Não apenas isso. Todos nós procuramos uma morada para o repouso de nosso coração inquieto. Todos. Não há exceção. Mas nós, onde estamos edificando a morada do nosso desassossegado coração?

Também, da mesma forma que Tomé de Sousa, muitas vezes nos vemos diante de decisões difíceis que devem ser tomadas por nós e aí, quando nos encontramos nessa posição, com o coração cheio de dúvidas, o que fazemos para melhor discernir a respeito das questões que nos são apresentadas pela vida?

Creio que, se estivermos com nosso coração mergulhado em dúvidas, não poderemos contar com uma dádiva similar à que foi derramada sobre São Tomé para dirimi-las, entretanto, podemos fazer como Tomé de Sousa e oferecer uma Santa Missa, ou ao menos dobrar os joelhos e rezar, pedindo ao Rei dos reis que alumie os nossos caminhos e nos oriente em nossa jornada.

Enfim, por essas e outras que a tal da História é, e sempre será, a mestra da vida. Pena que nós, enquanto seus alunos, sejamos tão displicentes.

 

Escrevinhado por Dartagnan da Silva Zanela – professor e cronista ([email protected])