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Poesia na República

11/09/2016
Poesia na República

Aos amigos leitores peço licença para transcrever o artigo de Cássia Carrenho do PublishMews o melhor site sobre literatura do Brasil.

“A cidade não poderia ser mais brasileira. Calor de 33 graus em pleno inverno, igrejas históricas e um pequeno centro que abriga construções tombadas. Foi onde nasceu Deodoro da Fonseca, proclamador da República e primeiro presidente do Brasil. A cidade que hoje tem cerca de 51 mil habitantes e foi declarada patrimônio histórico em 2006, poderia ser apenas mais uma, entre tantas, espalhada pelo Brasil. Mas, ali, existe um polo cultural que vem sendo cultivado ao longo dos anos, que passa muitas vezes despercebida pelos milhares de turistas que visitam a tão famosa Praia do Francês, cerca de 9 km dali.

A cidade de Marechal Deodoro respira música. Qualquer criança que more ali sabe que, mais cedo ou mais tarde, estudará música em uma das cinco orquestras filarmônicas da cidade. Ou, pelo menos, tentará.

Nos últimos oito anos, a cidade também tem investido para ser conhecida como uma cidade de leitores. Carlito Lima, o grande responsável por isso, ao visitar uma Flip teve a visão de levar uma festa literária à pequena Marechal.

Ele, um leitor voraz desde pequeno, mas escritor tardio, publicou pela primeira vez aos 61 anos, ao ser incentivado pelos amigos que tanto gostavam de ouvir suas histórias. E foi assim, com muito mais vontade do que recurso, que Carlito fez a primeira edição da Flimar em 2010, com o apoio da prefeitura da cidade e de alguns comerciantes locais. Em 2016, chegaram à sétima edição da Flimar, ainda com mais vontade do que recursos.

A festa não atrai milhares de pessoas. Não faz com que as vendas da pequena livraria Beabá, de Maria Lydia, livreira que faz questão de ler o que vende, se multipliquem. Mas, ao longo dos anos, viu crescer o número de leitores. No ano passado, fizeram uma pesquisa entre alunos do oitavo e novo ano da cidade, e o resultado foi uma média de cinco livros lidos durante o ano. Tudo isso é fruto de um trabalho junto as escolas, principalmente dos professores, que são os maiores incentivadores, e nesse ano foram os responsáveis pela Flimarzona, com palestras voltadas para adolescentes e jovens.

Durante os quatro dias da Flimar, as salas foram transformadas em oficinas de poesia, palestras sobre literatura, oficina de escrita e debates sobre as obras dos homenageados, Nise Silveira e Raimundo Fagner. Alguns grupos mostravam total atenção e vontade de aprender, outros já deixavam claro que estavam ali forçados. Mas, o que todos querem é, que de um jeito ou de outro, nasça uma semente do gosto pela leitura.

O forte mesmo desse evento é a poesia. Vários convidados eram poetas. A maioria do Nordeste, mas reconhecidos no Brasil, caso do poeta José Inácio Vieira de Melo, que transformaram o jardim da casa de Marechal Deodoro em palco para dois saraus.

Em duas noites, nomes como Carla Nobre, Chico de Assis, Claufe Rodrigues, Cosme Rogério, Manoel Constantino, Jovina Souza, entre outros, dividiram o microfone com alunos que escolhiam um poema pendurado no varal e interpretavam para o público. Uma forma de aproximar os jovens dos autores, e os autores dos seus leitores. Jovina, que coordena estudos sobre literatura com ênfase na produção afrodescendente, ficou emocionada com algumas meninas que se identificaram com seu texto. “Uma das meninas disse que ela tinha muita vontade de ter o cabelo enrolado como quando era pequena, e deixar de alisar, e que ao me ouvir se emocionou muito”, contou Jovina.

Nas mesas principais, a poesia também era protagonista. Na tarde de sexta-feira, todos os debates foram dedicados a obra de Fagner, que musicou muitos poemas e influenciou vários poetas. Na mesa A importância da música de Raimundo Fagner na divulgação da poesia brasileira, formada por José Inácio e Cosme Rogério, foram citados poetas como Cecília Meireles, que tiveram suas obras transformadas em música pelo cantor. “Fagner levou a poesia para a boca do povão”, disse José Inácio.

Como ainda é, e desejamos que continue sendo, uma cidade que respira música, todas as orquestras se apresentaram à noite, num palco montado em frente ao convento da cidade, uma das construções mais belas. Na plateia, mães, pais, irmãos dos músicos, simples moradores da cidade de Marechal Deodoro. Na última noite, o encerramento em grande estilo, com o show de Raimundo Fagner. Ônibus invadiram a pequena cidade, que teve até trânsito. E entre os que chegavam ouvi: “Quero ouvir Borbulhas de amor”. Pura poesia na terra da República.”