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'Eu me sinto um cidadão', diz motorista de aplicativo que denunciou caso de turismo sexual envolvendo crianças

Em entrevista ao 'Fantástico', ele relatou como desconfiou de corrida chamada para pegar duas meninas no Jacaré

Agência O Globo - 29/12/2025
'Eu me sinto um cidadão', diz motorista de aplicativo que denunciou caso de turismo sexual envolvendo crianças
Imagem ilustrativa gerada por inteligência artificial - Foto: Nano Banana (Google Imagen)

“Não é heroísmo. Eu me sinto, na verdade, um cidadão”, afirmou ao “Fantástico”, da TV Globo, um motorista de aplicativo que denunciou à Uber um episódio suspeito de turismo sexual envolvendo crianças no Rio. A plataforma informou o caso à polícia. Investigado por estupro de vulnerável e favorecimento à exploração sexual de menores, o youtuber norte-americano Floyd L. Wallace Jr., de 30 anos, foi preso na semana passada, em São Paulo, enquanto tentava fugir do país.

Região dos Lagos:

Acidente:

O motorista afirmou que o que o alegra é saber que o homem está preso:

— Você se depara com um monstro, com uma pessoa que se dedica a destruir infâncias e vidas. É aterrorizador.

Com Floyd, a polícia apreendeu aparelhos celulares, notebook, cartões de memória, pen drives, um relógio com câmera escondida e diversos bichinhos de pelúcia.

“Começaram a soar os alertas”

A investigação começou durante uma corrida feita pelo motorista, que preferiu não mostrar o rosto para proteger a família. Ele foi acionado no dia 8 de dezembro, às 21h, para buscar passageiros no Jacaré, na Zona Norte do Rio. O destino era Santa Teresa, no Centro.

— Quando cheguei ao local indicado, vieram correndo na minha direção duas meninas, que entraram no banco traseiro. Quando estavam em contato com a pessoa que pediu a corrida, falaram entre si: “não, usa o Google Tradutor”. Isso me chamou a atenção. Tipo: alguém pediu a corrida para vocês, vocês não falam o idioma e vocês são crianças — contou o motorista.

Ele disse que começou a fazer perguntas às crianças:

— Perguntei: “vocês sabem para onde estão indo?E elas disseram que não”. Ou seja, começaram a soar os alarmes, os alertas.

Ele prosseguiu:

— Então, perguntei: “vocês conhecem a pessoa que pediu a corrida para vocês?” Elas disseram que conheciam e começaram a rir entre si. Quando eu fazia perguntas mais invasivas, digamos assim, elas continuavam rindo.

No ponto de chegada, quem aguardava as duas crianças era Floyd. O motorista, no entanto, passou um pouco do endereço de propósito.

— O GPS estava me dizendo onde era, e ele já estava do lado de fora. Mas, depois que as deixei, não fiquei totalmente confortável. Eu não tinha nenhuma evidência, nenhuma prova de crime. Minha preocupação máxima era: “será que deixei essas crianças em perigo extremo?” Então pensei: “não posso continuar minha vida sem tomar algum tipo de providência”.

O motorista parou em um posto de gasolina e fez a denúncia à plataforma. A Uber iniciou uma apuração interna para identificar quem havia pedido a corrida.

— Eles pegaram meu relato e disseram que iriam juntar essas informações com outras que já tinham e que informariam as autoridades.

Cenário de extrema bagunça

A polícia, então, iniciou a investigação. Ao “Fantástico”, a delegada Luiza Machado, da Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav), disse que a Uber relatou que uma análise prévia da conduta do passageiro indicou forte suspeita de exploração e turismo sexual.

— A primeira viagem a que tivemos acesso foi no dia 8 de dezembro, e a última, no dia 19 de dezembro, momento em que ele se evadiu e foi para São Paulo. Quando entramos no apartamento, nos deparamos com um cenário de extrema bagunça. Apesar de ele estar no local havia menos de dois dias, estava tudo muito desorganizado, e conseguimos apreender diversas câmeras escondidas e itens para atrair crianças, como óculos de realidade virtual, bichinhos de pelúcia e vários aparelhos telefônicos.

Segundo a polícia, o americano trabalhava como influenciador e gravava as vítimas sem consentimento, inclusive usando um relógio com câmera escondida. Ele mantinha dois canais na internet. Em um deles, fazia apologia à agressão a policiais.

— Ele é um homem de extrema periculosidade — afirmou a delegada.

No outro canal, dizia fazer parte de um movimento mundial chamado passport bro, explica a policial.

— Consiste basicamente em indivíduos que se apropriam de sua nacionalidade — norte-americana ou europeia — acreditando que isso lhes confere uma condição de superioridade para vir a países considerados de terceiro mundo, onde teriam mais facilidade para encontrar vítimas, manter relações mediante pagamento ou praticar exploração sexual infantil, em razão da vulnerabilidade dessas vítimas.

‘Eu diria que precisamos ter compaixão’

A polícia investiga se de oito a 12 crianças foram vítimas de Floyd nesta última passagem pelo Rio de Janeiro. As investigações continuam para apurar se há intermediários ou uma organização criminosa por trás do caso.

O consulado americano informou à TV Globo que está ciente da situação e que, por questões de privacidade, não comenta detalhes do caso.

— Tudo isso foi iniciado pela postura de um motorista de aplicativo que teve a sagacidade de perceber que aquela situação não era normal — .

A Uber informou que, em julho, iniciou uma parceria com a ONG The Exodus Road Brasil, que trabalha com denúncias de tráfico de pessoas, muitas vezes relacionadas à exploração sexual infantil. Disse ainda que, no início do ano, todos os motoristas os seus motoristas receberão treinamento para lidar com esse tipo de situação.

— Você gostaria, numa situação de perigo, que alguém olhasse por você, porque você mesmo não pode se defender naquele momento. Eu diria que precisamos ter compaixão, ter esse olhar para as pessoas. Se você puder fazer um gesto de socorro, faça — ensinou o motorista.