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Cada vez mais frequente, aluguel de curta duração vira polêmica e divide condomínios no Rio

Este ano, quantidade de imóveis ofertados na cidade para este tipo de locação aumentou 25%, calcula o sindicato da categoria, o Secovi-Rio

Agência O Globo - 28/12/2025
Cada vez mais frequente, aluguel de curta duração vira polêmica e divide condomínios no Rio
Imagem ilustrativa gerada por inteligência artificial - Foto: Nano Banana (Google Imagen)

O Rio que está lotado para o réveillon e que bate recordes no turismo chega ao fim de 2025 sem concluir o debate — que durou quase o ano inteiro na Câmara dos Vereadores — para estabelecer novas regras com objetivo de regulamentar e fiscalizar o aluguel de curta temporada. Sem definições, o verão que eleva as temperaturas nos termômetros também esquenta as discussões nos condomínios residenciais da cidade, parte deles em pé de guerra em torno do tema. Pressionados a tomar decisões voltadas à boa convivência, alguns optam por organizar a atividade, outros tratam de proibi-la, mas raramente se consegue unanimidade.

'Gratificação faroeste':

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No Edifício Costa do Atlântico, em Ipanema, na Zona Sul, por exemplo, essa modalidade de aluguel foi abolida, e o síndico Ayrton Laurilo Netto enumera argumentos para a medida:

— Preservativos usados eram frequentemente encontrados no playground. Registramos locatário embriagado dormindo no chão do elevador, e moradores fixos, assim como o circuito de segurança, identificaram excessos no número de hóspedes em algumas ocasiões. Tivemos até tentativa de suborno na portaria.

Já Rick Aragão, administrador de imóveis no Leme que atua no mercado de curta temporada há dois anos, opina no sentido oposto. Para ele, é possível um equilíbrio entre o sossego dos moradores e a vocação turística da cidade.

— Cada condomínio funciona de um jeito. Por isso, é importante que administradores e proprietários estejam atentos para orientar os hóspedes adequadamente. Um bom diálogo com a portaria e com os síndicos tende a reduzir conflitos — avalia.

O fato é que a demanda está alta. Só entre turistas internacionais, dados da Embratur apontam que o Estado do Rio recebeu 1,97 milhão de visitantes de janeiro a novembro deste ano, aumento de 46% em relação aos mesmos meses de 2024. Já para o período entre 21 de dezembro e a primeira semana de janeiro de 2026, as reservas aéreas cresceram 10,7%, totalizando 67.506 bilhetes.

Aumento na oferta

Para acomodar tanta gente, se os hotéis comemoram uma média de ocupação de aproximadamente 80% neste ano — a maior do último triênio, segundo o Hotéis Rio —, também aumentou 25% a quantidade de imóveis ofertados na cidade para aluguel de curta duração, calcula o Sindicato das Empresas de Compra, Venda, Locação e Administração de Imóveis e dos Condomínios Residenciais e Comerciais do Estado do Rio (Secovi-Rio). A entidade afirma que esse comportamento é inédito e acelerou a partir do último mês de novembro.

— As plataformas estão aquecidas e, desde o mês passado, observamos transações em ritmo de alta temporada. Elas se estendem até o período pós-carnaval — afirma Leo Schneider, presidente do Secovi-Rio.

Pelas regras atuais, quando o assunto são imóveis alugados por plataformas como o Airbnb, vale o que ditam as convenções dos condomínios. Gabriel de Britto Silva, advogado da área imobiliária e sócio do escritório Brito e Lamego Advogados, diz que a autonomia dos condomínios é respaldada pela Justiça. Tanto no Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) quanto no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o entendimento predominante, afirma ele, é de que condomínios com destinação exclusivamente residencial podem estabelecer regras ou até impedir esse tipo de negócio.

— A locação por temporada está prevista na Lei do Inquilinato, para contratos de até 90 dias. Já a locação por curta temporada intermediada por plataformas digitais é tratada como contrato de hospedagem, pois não há regulação legal direta e específica. Nesse caso, cabe ao condomínio disciplinar a prática — explica.

Na Câmara do Rio, a discussão começou em março, com a criação de uma comissão especial para tratar do assunto. Em debates com casa lotada e protestos, chegou-se a propor a proibição do aluguel de curta temporada na orla — o que não foi adiante — e a criação de um cadastro dos locadores no município. No último dia 15 de dezembro, um relatório final da comissão foi aprovado, com medidas, para muitos, brandas.

O documento recomendou a apreciação do tema em plenário e destacou ser necessário criar uma “legislação robusta”, de forma a garantir “a segurança dos condôminos, a isonomia fiscal e o ordenamento urbano”, evitando-se, por exemplo, a prática de eventual “atividade comercial hoteleira disfarçada”, além de deixar claras as responsabilidades de plataformas e anfitriões (como são chamados os administradores dos imóveis locados). Um projeto de lei tramita na Câmara sobre a atividade. O recesso parlamentar, no entanto, adiou as definições para 2026.

Alta rotatividade

No Edifício Costa do Atlântico, que proibiu a prática, o síndico Ayrton conta que as conversas foram longas, iniciadas antes mesmo de sua gestão, até que a decisão tivesse sido tomada, no início deste ano. Consenso, não houve. Até porque, segundo ele, os imóveis anunciados para curta temporada no prédio chegaram a representar cerca de 16% do total de apartamentos.

Luis Fernando Guerrero, advogado da área de solução de conflitos do escritório Lobo de Rizzo Advogados, ressalta que, independentemente da decisão, é fundamental compreender o papel central da assembleia condominial no processo:

— O condomínio é uma comunidade. A convenção e o regimento interno refletem a vontade da maioria. Por isso, é essencial que os condôminos discutam qual é o perfil desejado para o local.

Segundo o especialista, a maioria dos conflitos decorre da alta rotatividade de pessoas, o que pressiona a estrutura dos condomínios. Nem todos os empreendimentos, alerta Guerrero, têm condições adequadas para controle de acesso e gestão das demandas típicas desse tipo de locação.

Já sobre o impacto na economia da cidade, Alfredo Lopes, presidente do Hotéis Rio, diz que é possível a coexistência entre hotéis e imóveis ofertados em plataformas digitais, desde que haja regulamentação adequada:

— O problema é o desequilíbrio. Do ponto de vista tributário, por exemplo, hotéis pagam impostos, tarifas comerciais e cumprem exigências de segurança. Os imóveis anunciados em plataformas não seguem as mesmas regras.

Em nota, o Airbnb afirmou que se opõe a restrições que prejudiquem a economia local e reforçou que o aluguel por temporada é uma atividade legal. A empresa também informou que mantém diálogo com governos e incentiva boas práticas de convivência. Segundo a plataforma, o Rio é um dos destinos preferidos de seus usuários.

Estudo de outra plataforma, a Booking.com, também indica que a cidade está em alta: é o destino mais procurado por viajantes brasileiros e estrangeiros para janeiro de 2026, com acréscimo de 12% nas buscas em relação ao ano passado.