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Ufal faz outorga do título de Doutora Honoris Causa a Mãe Mirian

Sinônimo de valorização das raízes afro-brasileiras, a ialorixá fez de sua vivência um instrumento de transformação social

Por Maria Villanova - estudante de jornalismo / Fotos Izadora García 01/09/2025
Ufal faz outorga do título de Doutora Honoris Causa a Mãe Mirian
Reitor Josealo Tonholo entrega à Mãe Mirian o diploma de Doutora Honoris Causa da Ufal

Em uma noite emocionante, norteada pela ancestralidade e pela reverência à cultura afroindígena brasileira, a Universidade Federal de Alagoas (Ufal) fez a outorga do título de Doutora Honoris Causa para Mirian Araújo Souza Melo, conhecida Mãe Mirian Yá Binan, a mais antiga sacerdotisa das religiões de Matriz Africana de Alagoas. A cerimônia ocorreu na última quinta-feira (28), com auditório da Reitoria lotado para prestigiar a Ialorixá de 91 anos, que tem uma história de resistência, marcada pela dedicação aos movimentos sociais, sempre encampando a luta por uma sociedade mais justa e plural, na defesa da valorização da pessoa negra e respeito à diversidade étnico-religiosa.

O reitor Josealdo Tonholo presidiu a mesa de honra da solenidade, ao lado da vice-reitora Eliane Cavalcanti, da representante do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes, Rosa Correia, da diretora do Instituto de Ciências Sociais, Luciana Santana, e do professor Danilo Marques, coordenador-geral do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) da Ufal, um dos proponentes da homenagem.

Mãe Mirian, a homenageada da noite, sentou-se em local de destaque durante a cerimônia, que foi marcada pelos ritmos afros, ecoados pelo grupo de Samba de Roda K’posú Betá. Adeilson Alexandre Ogã Alagbê, conhecido como Posú Alé, encantou a todos ao descer as escadarias do auditório da Reitoria embalando o Ouriki Exú, Senhor da Comunicação e da Eloquência.

A concessão do título foi formalizada com a leitura da Resolução 76/2025-Consuni, pelo professor Danilo Marques, que destacou as razões para a outorga da honraria. A partir desse momento, com batuques e ritmos afro, a vice-reitora Eliane Cavalcanti conduziu a entrega das vestes talares para Maria Helena Ekedi de Nanã, Mãe Mirian. Em virtude do respeito às crenças e às convicções, a homenageada não vestiu a beca, de cor preta, mas usou a samarra azul e o capelo. E, assim, recebeu diploma de Doutora Honoris Causa.

Em seu discurso, a professora Luciana Santana relembrou o histórico de lutas do Instituto de Ciências Sociais, em pautas combativas, elogiando a trajetória de Mãe Mirian. “Devemos reconhecer sua importância para as resistências, representando Alagoas, o Brasil e todos os países que têm como pauta o combate à intolerância e ao preconceito. E somos nós quem ganhamos muito, aprendemos muito com a sua trajetória, Mãe Mirian, como seres humanos, para sociedades mais justas”.

Visivelmente emocionada, a professora Rosa Correia destacou a importância do título para a história e o reconhecimento que a experiência afro-indígena brasileira constitui, um saber que merece reverência e inclusão nos currículos acadêmicos: “Esse reconhecimento resgata a cultura africana, reforça a emancipação e valoriza o poder e a sabedoria das mulheres africanas e indígenas, que historicamente desempenharam papéis de liderança política e espiritual. Com este ato, a Universidade também reconhece sua negritude e suas raízes africanas, abrindo caminho para uma reparação histórica”.

A professora Rosiane Martins, integrante do Neabi, destacou o trabalho realizado por Mãe Mirian às causas sociais, que seguem no acolhimento de jovens e adultos, orientando e curando, também dando voz àqueles mais necessitados. “Hoje, vem denunciando o abandono e a dificuldade dos idosos, ao ponto que celebra a sabedoria e que a velhice seja respeitada como direito e não fardo, chamando sempre a atenção da sociedade para diferentes temas que merecem um outro olhar”, declarou.

A vice-reitora Eliane Cavalcanti destacou as realidades dos terreiros e do Candomblé. Também falou das vivências e existências que seguem propondo uma união entre os povos de terreiro e celebrando a homenageada. “A caridade e a compaixão se manifestam em seu abraço, a energia e a força de uma mulher guerreira, nordestina e orgulhosa de sua trajetória. Este é um momento de reconhecimento, um marco na história desta instituição e deste estado”, declarou.

O reitor Josealdo Tonholo reforçou o sentimento de reparação histórica que esse título representa para a Ufal, um espaço aberto ao diálogo e à pluralidade: “Ao conceder este título, a Universidade não age por preferência ou adesão religiosa, mas, sim, como um gesto profundo de respeito à contribuição cultural, social e humana de Mãe Mirian, e a tudo que ela representa. Aqui honramos também nossos povos originários, os africanos, que aqui foram escravizados, e tantos outros povos que vieram de diversas partes do mundo, encontrando-se em nosso território”.

Diante de um auditório lotado, Mãe Mirian confessou ter se surpreendido com a indicação para receber o título. Ela agradeceu as homenagens feitas, que reverenciaram suas lutas, vivências e resistências. “É grande a emoção que sinto, a ponto de me faltarem palavras. Gostaria de cumprimentar a todos os presentes. É difícil expressar em palavras a gratidão que sinto por todos. Este momento é profundamente simbólico, um testemunho de fé e respeito. É com grande emoção que recebo este título da Universidade”, disse a homenageada.

Mãe Mirian também fez referência à evolução das religiões desde a Quebra de Xangô, episódio em que a intolerância religiosa atacou terreiros e destruiu espaços religiosos de matriz africana, e que culminou no assassinato da mais respeitada Mãe de Santo à época: “Reflito sobre a trajetória da Tia Marcelina, em 1912, e observando o crescimento de nossa religião, sou tomada por gratidão. Reafirmo meu respeito e confiança em cada um de vocês. Agradeço, uma vez mais, a confiança que me foi depositada”.

Em um discurso impactante, relembrando também que, apesar de toda a evolução, a luta ainda persiste, o babalorixá Wagner de Xoroquê denunciou a violência que ainda existe, mas também enalteceu a história da homenageada: ”Este é um ato de reparação, de justiça histórica, de reconhecimento à resistência secular de inúmeras mães, pais e filhos de santo. Que seus ensinamentos e exemplos guiem nossos caminhos, e que esta noite seja lembrada como um marco na luta por respeito, dignidade e igualdade para todos”.

Após os discursos e homenagens, sob palmas e ao som de batidas fortes dos tambores do Samba de Roda, Mãe Mirian dançou, celebrando e demonstrando que a Universidade é um espaço social em que os saberes e todas as crenças e identidades coexistem de maneira respeitosa. A noite ainda teve a apresentação do Maracatu Yá Dandara, que corou o momento de alegria vivenciado pelas pessoas presentes à solenidade.

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