Alagoas

Cibele Tenório celebra a vida de Almerinda Gama em livro que será lançado na Bienal

A obra resgata a trajetória da alagoana negra que foi pioneira na luta pelo voto feminino e revela uma personagem esquecida pela história

Ryan Charles - estudante de jornalismo 26/08/2025
Cibele Tenório celebra a vida de Almerinda Gama em livro que será lançado na Bienal
Cibele Tenório, jornalista e autora alagoana

“A reconstrução meticulosa de uma vida de luta, afeto e arte que foi relegada ao pano de fundo da história” é assim que é descrito o livro “Almerinda Gama: A sufragista negra” da jornalista alagoana Cibele Tenório.

Formada em jornalismo pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e mestra em História pela Universidade de Brasília (Unb), atuando como repórter, roteirista, produtora, editora e apresentadora, Cibele é um dos exemplos que em Alagoas tem muito talento, força de vontade e gente capaz de contar histórias que o Brasil merece conhecer.

Morando em Brasília há alguns anos, apaixonada por suas raízes, a jornalista volta à terra natal para divulgar seu livro no maior evento literário e cultural do estado. “Estar agora na Bienal como autora é algo que nunca imaginei. A Bienal fez parte da minha vida. Eu frequentava quando morava aqui, inclusive já trabalhei em uma edição. Eu estou muito feliz que o livro vá estar neste grande evento cultural, e como leitora quero tietar, conversar com autores que admiro, e, claro, conversar sobre Almerinda Gama”, conta entusiasmada.

Por que Almerinda Gama?


Entre tantas histórias que contam o percurso da luta feminina no Brasil, Cibele resolveu destacar uma que não tem destaque midiático, mas uma das que foi pioneira e potente na luta do direito ao voto feminino no Brasil: a trajetória de Almerinda Gama.

Mas se engana quem pensa que esta é uma história de uma heroína idealizada. Almerinda foi uma mulher real, com todas as contradições e complexidades de sua época. Uma mulher que existiu de fato, em um tempo em que pouco se falava em empoderamento feminino.

Nascida em Maceió no ano de 1899, Almerinda deixou Alagoas muito cedo, ainda aos 8 anos, devido ao falecimento de seu pai, porém, mesmo com as escassez de informações sobre sua história, sabe-se que ela foi uma mulher preta advogada, jornalista, poeta, musicista, revolucionária e à frente do seu tempo. Cibele conta que essa história apareceu na sua vida sem pretensões, mas não por acaso.

“Se você colocar no google talvez encontre a foto de uma mulher com roupas bem dos anos 20 ou 30, e tem uns homens ao fundo olhando pra ela. Ela está com a mão na urna e olhando para a urna. Eu já tinha visto essa foto em matérias sobre o voto feminino, mas não diziam quem era a mulher, nem o contexto da eleição”, relatou.

“Um dia, encontrei o nome dela num acervo da Fundação Getúlio Vargas: Almerinda Farias Gama. Dizia que ela era alagoana, jornalista e feminista. Várias coisas em comum comigo. E eu, como jornalista e alagoana, nunca tinha ouvido falar dela. Isso me deixou muito inquieta. Fiquei com muita vontade de descobrir quem era essa mulher da foto.”, evidenciou.

O faro jornalístico de Cibele atiçou ao pesquisar sobre Almerinda e o que se transformou no incentivo que faltava para a jornalista iniciar sua pesquisa de mestrado focada na vida dessa mulher, até então desconhecida. Ela conta que o trabalho teve um progresso gradual, já que não se tinha muitos registros da história de Almerinda. Mesmo sendo datilografa, uma profissão considerada tecnológica para a época, ela não tinha o costume de escrever sobre sua vida.

Porém o trabalho não parou, a pesquisa de Cibele mostrou a força das mulheres negras na construção do poder do voto feminino no Brasil. Foi aí que descobriu a vivência de Almerinda como sufragista.

“Na época, "sufragista" era praticamente sinônimo de feminista, porque a principal bandeira do movimento era o voto feminino. As mulheres enfrentavam muito preconceito, inclusive dentro da imprensa. Ela fazia parte da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, liderada por Berta Lutz. A maioria das mulheres dessa federação era branca, de classe média alta. A Almerinda destoava: era negra, nordestina, de classe trabalhadora. Ela foi responsável por fazer a ponte com a imprensa: escrever os textos, distribuir para os jornais, tornar o movimento visível”, conta.

A escritora diz que Almerinda nunca aceitou o papel de coadjuvante em sua própria história e lutou bravamente pelo que acreditava, descrita como uma mulher do coletivo, não guardava inquietações só para si: se organizava, agia.

“Ela foi uma liderança ativa, não apenas uma participante. A luta delas deu certo: em 1932, Getúlio Vargas incluiu o voto feminino no Código Eleitoral, ainda limitado às mulheres alfabetizadas, claro, mas foi um marco. Ela, inclusive, foi a única mulher na eleição da Assembleia Constituinte de 1934. Hoje, cada vez que uma mulher vota, ela caminha junto com as sufragistas como a Almerinda”, reforça Cibele.

Almerinda faleceu em 1999, no auge dos seus 100 anos, e até então nunca tinha tido sua história contada com a devida atenção. Seu nome, por muito tempo apagado dos livros e silenciado nos registros oficiais, agora ganha voz nas páginas escritas por Cibele Tenório.

Do anonimato à livraria


Ao concluir seu mestrado, Cibele notou que a vida de Almerinda era muito grande para as extremidades da universidade e surgiu a vontade de transformar sua dissertação em livro. Ela conta que as dificuldades que surgiram no caminho não foram impedimento e, mesmo com tantos não, ela ainda buscava seu sim.

Foi quando em 2023 ela se inscreveu no Prêmio Todavia de Não Ficção, na qual concorreu com mais 228 inscritos, e foi a grande vencedora. A premiação viabilizou seu projeto em livro, e, claro, foi a porta de entrada para o grande público.

Neste ano, ela também foi uma das escolhidas para receber o prêmio Graciliano Ramos, uma iniciativa do Governo de Alagoas que integra a programação da Bienal, devido a sua contribuição à literatura alagoana. Para ela, a verdadeira vitória é ver o nome de Almerinda alcançando o protagonismo que ela merece.

“Eu não fiz nada pelos títulos, mas pela inquietação de descobrir quem era aquela mulher da foto. Acho que a gente precisa prestar atenção nessas inquietações. Foi isso que me fez virar pesquisadora, coisa que eu nem planejava antes. Tudo que veio depois foi lucro. A protagonista da história é a Almerinda. Eu só organizei as pistas que estavam espalhadas ", comemorou.

Cibele diz que desde que saiu de Maceió pela primeira vez, não há registros que Almerinda tenha voltado a Alagoas, mas em seus poemas e livros ela sempre falou do estado com saudosismo e carinho, e que está feliz em ver seu nome ganhando notoriedade por aqui.

“Apesar de ter saído cedo, a Almerinda falava muito de Maceió. Tinha lembranças muito fortes da infância aqui. Especialmente da praia. Quando ela deu uma entrevista aos 90 anos, ainda falava muito de Alagoas. Sinto que, de alguma forma, a Almerinda me escolheu para contar sua história .É triste que ela tenha morrido sem reconhecimento, mas agora sua trajetória está sendo celebrada. Agora, ela volta simbolicamente com o livro, para encontrar seus conterrâneos”, conclui.

Sobre a Bienal


A 11ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas é realizada pela Universidade Federal de Alagoas e pelo governo de Alagoas, além de correalização da Fundação Universitária de Desenvolvimento de Extensão e Pesquisa (Fundepes) e patrocínio do Senac e do Sebrae Alagoas.

Sob a curadoria do professor Eraldo Ferraz, o maior evento cultural e literário do estado também tem como parceiros a plataforma de eventos Doity, a rede de Hotéis Ponta Verde, o Sesc, a Prefeitura de Maceió e o Instituto Federal de Alagoas (Ifal), além das secretarias de Estado da Cultura e Economia Criativa (Secult), de Turismo (Setur) e de Comunicação (Secom) de Alagoas.

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